Veja o artigo original no link a seguir: https://www.apsf.org/article/from-the-literature-ecri-review-explains-warns-of-or-fires/
A ideia de um incêndio na sala de cirurgia causa arrepios nos profissionais de saúde que trabalham para garantir a segurança do paciente. Essa temida complicação, que geralmente causa lesões graves e desfigurantes, pode ser erradicada com pouco custo e deve ser discutida constantemente pela APSF e pelas outras organizações das partes interessadas. Dados de um estudo da Pennsylvania Patient Safety Authority, estimados para o país como um todo, indicam uma redução recente no número de incêndios cirúrgicos de 650 para 217 eventos por ano nos Estados Unidos.1,2 Embora esses dados sejam encorajadores, eles aumentam a necessidade da obrigatoriedade de relatar incêndios cirúrgicos em todos os estados, em vez de basear-se nos dados de apenas um estado. Provavelmente, o número real de incêndios é maior do que a estimativa, pois apenas metade dos estados exige o relato dessas ocorrências. Nosso otimismo com a notícia de que os casos de incêndio cirúrgico caíram é neutralizado pela taxa de incidentes anedóticos e pelas solicitações de opiniões de especialistas em processos legais que não mudaram desde os esforços originais da APSF.
No banco de dados de processos julgados da ASA, os incêndios cirúrgicos representaram 1,9% (103/5297) dos pedidos de indenização.3 Os incêndios induzidos por eletrocauterização aumentaram de menos de em 1% das cirurgias de 1985 a 1994 para em 4,4% entre 2000 e 2009.3 Infelizmente, as circunstâncias desses casos não mudaram: geralmente, os incêndios são causados pelo uso da administração aberta de oxigênio pela cânula nasal ou máscara facial, aliado ao uso de um dispositivo cirúrgico elétrico monopolar na área da cabeça e do pescoço. A maioria dos processos se refere a ambientes ambulatoriais, envolvendo o tronco (85%), e utilizando os cuidados anestésicos monitorizados (MAC) (81%).3 Os casos de processos julgados de incêndios na sala de cirurgia com pacientes em anestesia geral se referem a procedimentos de otorrinolaringologia, em que o FiO2 é maior que 0,30, 97% do tempo.3 Os dados indicam que as indenizações foram pagas em 78% dos casos, com um valor de liquidação médio de US$ 120.000,00.3
Muitos incêndios durante a anestesia MAC ocorrem quando o médico conecta uma cânula nasal ou máscara facial à saída de oxigênio auxiliar. Na maioria das estações de anestesia, essa saída administra apenas 100% de oxigênio. No entanto, algumas estações de anestesia agora misturam oxigênio com ar para reduzir a quantidade de FiO2. Por exemplo, o GE Carestation 650 incorpora um misturador de O2/ar à saída de gás auxiliar e analisa o FiO2 da mistura gasosa.4
O oxigênio nasal de alto fluxo é uma tecnologia mais recente usada em alguns casos de anestesia MAC. Esses dispositivos administram 50 a 100 L/min de oxigênio com 1,0 de FiO2, a menos que um misturador de O2/ar seja usado. Essas vazões altas de oxigênio apresentam um maior risco de incêndio, a menos que seja tomado muito cuidado para garantir que o oxigênio seja dissipado antes de o cirurgião usar uma unidade eletrocirúrgica (ESU) ou laser.5
Um tipo de incêndio bastante devastador na sala de cirurgia pode ocorrer quando um tubo traqueal é incendiado por um laser ou ESU. Nesses casos, acontece um efeito de maçarico que pode danificar gravemente as vias aéreas e os pulmões.4 O anestesiologista deve sempre usar um tubo traqueal que tenha proteção contra o comprimento de onda do laser utilizado pelo cirurgião. Traqueostomias também podem causar incêndio nas vias aéreas. Isso geralmente ocorre quando o cirurgião usa um ESU para entrar na traqueia na presença de altas concentrações de oxigênio. O incêndio acaba gerando morbidade grave para o paciente.6
“The Patient Is On Fire” (“Incêndio no paciente”) é um artigo publicado pelo ECRI Institute (anteriormente chamado de “Emergency Care Research Institute”) na edição de janeiro de 1992 da Health Devices.7 Ele descreve a tríade de combustíveis, oxidantes e fontes de combustão que ainda estão presentes na sala de cirurgia moderna em 2020. Os combustíveis são as soluções de preparação cirúrgica à base de álcool, campos cirúrgicos, toalhas, tubos traqueais e máscaras laríngeas. Os oxidantes são o oxigênio e o óxido nitroso. As fontes de combustão são os lasers ESU e luzes de fibra ótica.7
As soluções de preparação cirúrgica à base de álcool podem instantaneamente gerar um incêndio na sala de cirurgia.8 Não só o álcool em si é altamente inflamável, como os vapores formados durante a evaporação também podem causar combustão. A equipe da sala de cirurgia deve garantir que a solução de preparação tenha secado completamente e que as toalhas molhadas com álcool sejam removidas da área antes de cobrir o paciente.
Incêndios cirúrgicos têm sido uma área chave para enfoque educacional pela American Society of Anesthesiologists (ASA), Anesthesia Patient Safety Foundation (APSF), Association of periOperative Registered Nurses (AORN) e National Fire Protection Association (NFPA). A APSF criou e revisou um algoritmo de segurança, que está no site da APSF e pode servir como um suporte cognitivo para os profissionais de saúde evitarem situações de alto risco de incêndio na sala de cirurgia. A ASA também revisou seu algoritmo de prevenção de incêndio na sala de cirurgia desde a publicação original (Figura 1).9
Instruir médicos, enfermeiros, técnicos e todos os profissionais na equipe de cirurgia é crucial. Em 2013, a ASA publicou recomendações de práticas para os profissionais de saúde a fim de evitar incêndios cirúrgicos: 9
- Realizar uma avaliação do risco de incêndio no início de todas as cirurgias. Uma “Ferramenta de avaliação do risco de incêndio” deve ser implementada antes de cada cirurgia, no “intervalo” ou no checklist de segurança. A avaliação deve determinar a presença de fatores de risco importantes, como: 1) Uso de uma fonte aberta de oxigênio; 2) Presença de fonte de ignição; 3) Procedimento no ou acima do nível do processo xifoide; 4) Uso de solução inflamável de preparação cirúrgica.
- Incentivar a comunicação entre os profissionais na equipe de cirurgia.
- Garantir o uso e a administração segura de oxidantes. Titular a concentração mínima de oxigênio necessária para atender às necessidades do paciente.
- Usar com segurança os dispositivos que podem ser uma fonte de ignição. A equipe de suporte deve estar consciente do uso e da manutenção dos instrumentos que podem inflamar uma fonte de combustível.
- Usar com segurança os itens cirúrgicos que podem ser uma fonte de combustível.
- Praticar maneiras de gerenciar incêndios cirúrgicos. As recomendações de práticas da ASA contêm várias etapas para gerenciar incêndios cirúrgicos: 1) Eliminar a fonte de ignição primária. 2) Apagar o fogo e remover todas as fontes de combustível. 3) Desconectar o paciente do circuito respiratório em casos de incêndio nas vias aéreas e remover o tubo traqueal. Mover o paciente para uma área segura e reestabelecer as vias aéreas. 4) Analisar o local do incêndio e remover possíveis fontes de materiais inflamáveis.3
Em caso de incêndio, é importante que todos os integrantes da equipe da sala de cirurgia saibam onde está e como usar um extintor de incêndio. As recomendações de práticas do ECRI e da ASA indicam o extintor de dióxido de carbono (CO2) como o mais adequado para uso na sala de cirurgia.
Nossa preparação diária preza pelas medidas preventivas para evitar incêndios na sala de cirurgia. O conhecimento dos riscos deve incentivar a elaboração de programas anuais para preparar a equipe, minimizar as lesões ao paciente e limitar os danos à sala de cirurgia. O vídeo sobre incêndio cirúrgico da APSF é visualizado e baixado com frequência, e seu conteúdo será sempre útil e preciso.10 Sem dúvida, a disponibilidade dos algoritmos de tratamento (Figura 1) para consulta na sala de cirurgia e a avaliação do risco de incêndio em cada paciente no “intervalo” são boas práticas clínicas.
O que podemos esperar da prevenção de incêndios cirúrgicos no futuro? A melhor resposta é a mudança de cultura. A integração das avaliações de risco de incêndio e as ações preventivas nos checklists de segurança cirúrgica pode reduzir esse evento catastrófico e evitável. Também podemos incorporar a prevenção do incêndio cirúrgico aos centros educacionais de simulação ao redor do mundo. Envolver os cirurgiões que realizam procedimentos com alto risco de incêndio em atividades de prevenção e instrução garantirá que eles se conscientizem sobre os riscos e adotem as etapas de mitigação quando possível. Também podemos promover programas educacionais, como o “programa FUSE” da SAGES (Fundamental Use of Surgical Energy da Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons), que é uma ferramenta educacional excelente para cirurgiões e profissionais de anestesia, bem como para todos que trabalham na sala de cirurgia. Como especialidade, precisamos permanecer envolvidos com organizações profissionais, grupos de padrões, empresas de acreditação e conselhos de certificação para garantir que a prevenção de incêndios cirúrgicos continue sendo prioridade, com ênfase em ampliar o conhecimento e a prática.
Os anestesiologistas são treinados para ficarem atentos. Nossos pacientes confiam em nós para mantermos o bem-estar deles. Devemos continuar oferecendo instrução e conhecimento sobre os riscos, bem como o controle em caso de incêndio na sala de cirurgia. Enfatizamos que a prevenção de incêndios não exige custos adicionais e sua eficiência é de quase 100%. Portanto, acreditamos veementemente que a prevenção do incêndio cirúrgico é uma das principais formas de exemplificar a visão da APSF de que “nenhum paciente deve ser prejudicado por cuidados anestésicos”.
Charles E. Cowles, Jr., MD, MBA, FASA, é professor associado e diretor de segurança na University of Texas MD Anderson Cancer Center.
Chester Lake MD, MS, é professor assistente de anestesiologia na University of Mississippi Medical Center.
Jan Ehrenwerth, MD, é professor emérito na Yale University School of Medicine.
As autoras não apresentam conflitos de interesse.
Referências
- Surgical fires: decreasing incidence relies on continued prevention efforts. Pa Patient Saf Advis. 2018;15(2). Available at: http://patientsafety.pa.gov/ADVISORIES/Pages/201806_SurgicalFires.aspx. Accessed April 20, 2020.
- Cowles, CE. Fire Safety in the operating room. In: UpToDate, Nussmeier, N (Ed), UpToDate, Waltham, MA. https://www.uptodate.com/contents/fire-safety-in-the-operating-room/print Accessed June 25, 2020.
- Mehta SP, Bhananker SM, Posner KL, et al. Operating room fires: a closed claims analysis. Anesthesiology. 2013;118:1133–1139.
- Ehrenwerth J. Electrical and Fire Safety: Chapter 24. In: Ehrenwerth J, Eisenkraft JB, Berry JM, eds. Anesthesia Equipment: Principles and Applications, 3rd ed. Philadelphia: Elsevier: In Press.
- Cooper J, Griffiths B, Ehrenwerth J. Safe use of high flow nasal oxygen (HFNO) with special reference to difficult airway management and fire risk. APSF Newsletter. 2018;33:51–53. https://www.apsf.org/article/safe-use-of-high-flow-nasal-oxygen-hfno-with-special-reference-to-difficult-airway-management-and-fire-risk/ Accessed August 12, 2020.
- Lew EO, Mittleman RE, Murray D. Endotracheal tube ignition by electrocautery during tracheostomy: case report with autopsy findings. J Forensic Sci. 1991;36:1586–1591.
- ECRI Institute. The patient is on fire! A surgical fires primer. Health Dev. 1992:21:19–34.
- Barker SJ, Polson JS. Fire in the operating room: a case report and laboratory study. Anesth Analg. 2001;93:960–965.
- Apfelbaum JL, Caplan RA, Barker SJ, et al. Practice advisory for the prevention and management of operating room fires: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Operating Room Fires. Anesthesiology. 2013;118:271–290.
- Anesthesia Patient Safety Foundation: Prevention and Management of Operating Room Fires (Video). https://www.apsf.org/videos/or-fire-safety-video/; 2010. Accessed June 30, 2020.