Mudança de ritmo: atualização sobre o manejo perioperatório de dispositivos eletrônicos cardiovasculares implantáveis (CIEDs)

Jacques P Neelankavil, MD; Annemarie Thompson, MD; Aman Mahajan, MD, PhD, MBA
Nota do editor: Esse editorial aborda um artigo da APSF que foi o mais visualizado por nossos leitores ao redor do mundo conforme análises realizadas antes da COVID-19.

Veja o artigo original no link a seguir: https://www.apsf.org/article/managing-cardiovascular-implantable-electronic-devices-cieds-during-perioperative-care/

Resumo

Dispositivo eletrônico cardiovascular implantável (CIED)O dispositivo eletrônico cardiovascular implantável (CIED) é um termo geral para marca-passos, cardioversores desfibriladores implantáveis (CDIs) e dispositivos de terapia de ressincronização cardíaca (TRC). A meta do artigo da ASPF de 2013 “Gerenciamento de CIEDS durante os cuidados perioperatórios” era fornecer aos anestesiologistas uma visão geral do manejo de pacientes com CIEDs no período perioperatório.1 A declaração de consenso de 2011 entre a Heart Rhythm Society (HRS) e a American Society of Anesthesiologists (ASA)2, em que o artigo da APSF se baseou, foi um manuscrito essencial que desmistificou vários aspectos confusos do cuidado perioperatório dos CIEDs. Essas questões estão resumidas abaixo:

De uma perspectiva pré-operatória, muitos pacientes com CIEDs não precisam de uma nova avaliação antes da cirurgia. Pacientes com marca-passos precisam passar por avaliações anuais e pacientes com CDIs ou dispositivos de TRC devem passar por exames a cada seis meses.2 A avaliação pré-operatória dos CIEDs se concentra essencialmente na comunicação entre o anestesiologista, o cirurgião e a equipe responsável pelo CIED (cardiologista, enfermeiros e/ou representante do fabricante). É importante que todos os membros da equipe entendam o paciente e os fatores cirúrgicos necessários para criar uma abordagem individualizada a cada paciente. As informações cruciais para o anestesiologista são a data do último exame, o tipo de dispositivo, a indicação de colocação do dispositivo, a durabilidade da bateria, a programação atual, a dependência do marca-passo e a resposta magnética (consulte a Tabela 1 do artigo original—https://www.apsf.org/article/managing-cardiovascular-implantable-electronic-devices-cieds-during-perioperative-care/).1

O plano do CIED deve conter uma avaliação da interferência eletromagnética (EMI). Embora haja inúmeras causas de EMI, a mais comum na sala de cirurgia é a eletrocauterização monopolar.1 Se a EMI estiver a 6 polegadas do gerador de pulsos, ela pode inibir a ação do estímulo e/ou gerar uma terapia de taquicardia inadequada, dependendo do tipo de CIED. Danos ao gerador de pulsos são raros, mas podem acontecer. Embora os CIEDs tenham algoritmos para minimizar detecção e estímulo inadequados, a EMI ainda pode causar a detecção excessiva. A detecção excessiva do marca-passo fará com que ele interprete a EMI como uma atividade cardíaca intrínseca, evitando o envio de estímulos de ritmo ao paciente com marca-passo. A detecção excessiva do CDI fará com que a EMI seja interpretada como taquiarritmia e pode levar à desfibrilação inadequada. Em relação às cirurgias abaixo do umbigo, o documento de consenso entre a HRS e a ASA recomenda que há uma necessidade mínima de reprogramar um CIED ou de colocar um ímã, porque o risco de detecção excessiva é pequeno se a placa de aterramento estiver posicionada adequadamente. Para minimizar o risco de interferência eletromagnética, o eletrodo dispersivo (placa de aterramento) deve ser posicionado de modo que o caminho da corrente não passe pelo ou perto do gerador ou dos fios do dispositivo eletrônico cardíaco implantável.

Ímãs são comumente usados por vários profissionais no intraoperatório devido à facilidade de aplicação, no entanto, a resposta do CIED a um ímã varia conforme o tipo de dispositivo, a idade da bateria e a programação do dispositivo. Além disso, a colocação de um ímã pode fazer com que o paciente entre em modo assíncrono, mas a frequência pode não atender às demandas fisiológicas do paciente. Uma ressalva importante é que embora a aplicação do ímã no CDI desative as funções de taquiarritmia, ela não causará nenhum efeito no marca-passo. É crucial que os membros da equipe de anestesia confirmem o efeito do ímã no CIED de cada paciente.

O artigo da APSF de 2013, escrito por Neelankavil et al., definiu um algoritmo para o manejo perioperatório dos pacientes com CIEDs que passam por cirurgias eletivas e de emergência.1 O algoritmo das cirurgias eletivas se concentrava no risco de EMI no dispositivo, diferenciava marca-passos e CDI e sugeria uma abordagem de gerenciamento diferente com base na dependência do marca-passo (consulte a Figura 1 do artigo original—https://www.apsf.org/article/managing-cardiovascular-implantable-electronic-devices-cieds-during-perioperative-care/).

Qual a novidade em 2020?

A tecnologia do CIED evoluiu desde o artigo original, mas várias abordagens perioperatórias sugeridas naquela época ainda são relevantes atualmente. O gerenciamento de CIEDs continua sendo uma situação clínica comum para os anestesiologistas, principalmente porque a prevalência desses dispositivos na população aumentou. Um estudo que analisou a implantação de marca-passo nos EUA, de 1993 a 2009, demonstrou um aumento de 55% no uso desse dispositivo.3 Os registros nacionais de CDI identificaram mais de 1,7 milhão de dispositivos implantados apenas nos Estados Unidos.4

Estamos preocupados demais com o gerenciamento do CIED no perioperatório? A tecnologia avançou tanto desde o último artigo da APSF que os anestesiologistas não precisam se preocupar com o cuidado perioperatório do CIED? Um estudo clinicamente relevante realizado por Schulman et al. concluiu que a EMI ainda é um risco considerável aos pacientes com CIEDs que passam por cirurgias contendo EMI. O estudo prospectivo colocou os CDIs em “modo de monitor” para os pacientes que passam por várias cirurgias.

Foi verificado que a eletrocauterização monopolar gerou EMI de importância clínica (EMI que teria causado um estímulo de antitaquicardia inadequado ou desfibrilação por um CDI se o dispositivo não tivesse sido reprogramado) em 20% dos pacientes durante cirurgias não cardíacas acima do umbigo, em 29% dos pacientes durante cirurgias cardíacas e em 0% dos pacientes durante cirurgias abaixo do umbigo. O estudo usou o posicionamento protocolizado do eletrodo dispersivo na eletrocirurgia conforme recomendado pela ASA e pela HRS.5 O estudo identificou a importância de um plano de atendimento individualizado para pacientes com CIED conforme o tipo de dispositivo cardíaco, bem como o posicionamento do CIED e o local da cirurgia, porque o risco de EMI significativa no ambiente clínico é real mesmo com a atual tecnologia avançada dos CIEDs.

Desde o artigo de 2013,1 tipos mais recentes de marca-passos e CDIs foram aprovados pela FDA e estão sendo usados clinicamente. Esses dispositivos apresentam considerações perioperatórias de CIED específicas para os anestesiologistas. O Medtronic Micra™ é um marca-passo sem fio aprovado para uso nos Estados Unidos. O Micra é um dispositivo com gerador autônomo e de câmara simples com eletrodo colocado no ventrículo direito pela veia femoral. Seus modos incluem VVIR (estímulo ventricular, detecção ventricular, inibição de estímulo em resposta a um evento detectado, modulação da frequência), VVI, VOO (estímulo ventricular assíncrono) e OVO (apenas detecção ventricular) e não há capacidade de desfibrilação. A vantagem dos marca-passos sem fio é a eliminação de complicações importantes e, às vezes, devastadoras, associadas aos fios transvenosos: infecções/hematomas na cavidade, infecções intravasculares, trombose vascular, desalojamento do fio e fratura do fio. Esses dispositivos não têm um sensor de ímã e, portanto, não reagirão a um ímã pois são muito pequenos. Recomendamos que esses dispositivos sejam programados com o modo VOO para reduzir a detecção excessiva quando a EMI é antecipada.6

O CDI subcutâneo (CDI-S) fabricado pela Boston Scientific é outro tipo mais recente de CDI encontrado na prática clínica. Ele é usado para pacientes com risco de arritmia ventricular que não precisam de estímulo de bradiarritmia ou antitaquicardia.7 Embora esse dispositivo não ofereça estímulo a longo prazo, ele consegue estimular 50 pulsos por minuto durante 30 segundos após o choque do desfibrilador caso o paciente apresente bradicardia profunda após o tratamento.8 O CDI-S consiste em um gerador de pulsos e um fio subcutâneo simples. Tanto o gerador de pulsos quanto o fio são implantados no tecido subcutâneo e são extratorácicos.9 O gerador de pulsos geralmente é implantado entre as linhas anterior e central da axila no nível do 6º espaço intercostal. O fio é inserido medialmente a partir do compartimento do gerador de pulsos até o processo xifoide e, em seguida, passa ao longo da parte superior do corte paraesternal esquerdo. Como o Micra, uma vantagem do CDI-S é que não há fios transvenosos. O CDI-S tem a mesma reação a um ímã que o CDI tradicional. A aplicação do ímã sobre o gerador de pulsos desativará os recursos de antiarritmia do dispositivo e a remoção do ímã retornará o dispositivo ao estado programado anteriormente. Um recurso do CDI-S que garante que o ímã foi colocado adequadamente é um “bip” sonoro que indica que a detecção de arritmia e a terapia de choque foram suspensas. Se o bip não for ouvido com a aplicação do ímã, recomendamos que o ímã seja reposicionado sobre o dispositivo até ouvir o bip. Pode ser difícil manter o ímã sobre o gerador. Reprogramar o dispositivo pode ser mais prático dependendo do tipo de cirurgia e da posição do paciente.

Recentemente, a ASA publicou uma recomendação de prática atualizada para o manejo perioperatório dos CIEDs.10 O documento de 2020 enfatiza princípios parecidos com a declaração de consenso de 2011 entre a ASA e a HRS, incluindo a importância da avaliação perioperatória e a importância de determinar o risco da EMI. Há várias novas sugestões na recomendação de prática que esclarecem situações clínicas específicas. O documento aborda o que fazer se for necessária cardioversão ou desfibrilação de emergência em um paciente com CIED. Nessa situação, a recomendação de prática é encerrar toda a EMI, remover o ímã (se aplicado) e observar se o paciente está recebendo a terapia antitaquicardia adequada do CIED. Se o CIED tiver sido programado para desativar a terapia antitaquicarda, determine a necessidade de reprogramar o dispositivo. Se a remoção do ímã não restaurar a terapia antitaquicarda do CIED ou se o dispositivo não puder ser programado rapidamente, realize a cardioversão ou desfibrilação externa de emergência. Essa nova recomendação de prática também aborda o uso crescente de CIEDs condicionados à MRI e o manejo perioperatório desses dispositivos. A recomendação desestimula especificamente a aplicação “indiscriminada” de ímãs nos CIEDs, o que está de acordo com a declaração de 2011 da HRS e da ASA que recomenda que os profissionais conheçam a reação do CIED do paciente ao ímã antes de aplicá-lo.

A tecnologia mudou desde o artigo original da APSF de 2013; no entanto, os princípios básicos descritos nesse artigo importante ainda são relevantes atualmente. A EMI e a detecção excessiva dos CIEDs em determinados pacientes continuam sendo um problema clínico para os anestesiologistas. Com o advento dos novos marca-passos e CDIs, os anestesiologistas continuarão tendo várias opções de dispositivos, possibilitando a elaboração de planos individualizados e fundamentados para todos os pacientes de CIEDs.

 

Jacques Prince Neelankavil, MD, é professor associado de Anestesiologia e Chefe da Divisão de Anestesia Cardíaca no Departamento de Anestesiologia e Medicina Perioperatória, UCLA Medical Center

Annemarie Thompson, MD, é professora de Anestesiologia, Medicina e Ciências da Saúde da População, e é Diretora do Programa de Residência em Anestesiologia na Divisão de Anestesiologia Cardiotorácica e Medicina Intensiva no Duke University Medical Center

Aman Mahajan MD, PhD, MBA é professor da Peter and Eva Safar, presidente do Departamento de Anestesiologia e Medicina Perioperatória, professor de Informática Biomédica e Bioengenharia e Diretor Executivo de Serviços Perioperatórios e Cirúrgicos do UPMC, University of Pittsburgh e UPMC


As autoras não apresentam conflitos de interesse.


Referências

  1. Neelankavil JP, Thompson A, Mahajan A. Managing cardiovascular implantable electronic devices (cieds) during perioperative care. APSF Newsletter. 2013;28:29,32–35. https://www.apsf.org/article/managing-cardiovascular-implantable-electronic-devices-cieds-during-perioperative-care/ Accessed August 12, 2020.
  2. Crossley GH, Poole JE, Rozner MA, et al. The Heart Rhythm Society (HRS)/American Society of Anesthesiologists (ASA) Expert Consensus Statement on the perioperative management of patients with implantable defibrillators, pacemakers and arrhythmia monitors: facilities and patient management. This document was developed as a joint project with the American Society of Anesthesiologists (ASA), and in collaboration with the American Heart Association (AHA), and the Society of Thoracic Surgeons (STS). Heart Rhythm. 2011;8:1114–54.
  3. Greenspon AJ, Patel JD, Lau E, et al. Trends in permanent pacemaker implantation in the United States from 1993 to 2009: increasing complexity of patients and procedures. J Am Coll Cardiol. 2012;60:1540–1545.
  4. The American College of Cardiology NCDR ICD Registry. https://cvquality.acc.org/NCDR-Home/registries/hospital-registries/icd-registry Accessed August 9, 2020.
  5. Schulman PM, Treggiari MM, Yanez ND, et al. Electromagnetic interference with protocolized electrosurgery dispersive electrode positioning in patients with implantable cardioverter defibrillators. Anesthesiology. 2019;130:530.
  6. Medtronic Micra Model MC1VR01 Manual. Available at https://europe.medtronic.com/content/dam/medtronic-com/xd-en/hcp/documents/micra-clinician-manual.pdf Accessed August 9, 2020.
  7. Burke MC, Gold MR, Knight BP, et al. Safety and efficacy of the totally subcutaneous implantable defibrillator: 2-year results from a pooled analysis of the IDE Study and EFFORTLESS Registry. J Am Coll Cariol. 65:1605–1615, 2015.
  8. Weiss R, Knight BP, Gold MR, et al. Safety and efficacy of a totally subcutaneous implantable-cardioverter defibrillator. Circulation. 128:944–953,2013.
  9. Lambiase PD, Srinivasan NT. Early experience with the subcutaneous ICD. Curr Cardiol Rep. 2014;16:516,2014.
  10. Practice advisory for the perioperative management of patients with cardiac implantable electronic devices: pacemakers and implantable cardioverter defibrillators 2020. Anesthesiology. 2020;132:225–252. https://doi.org/10.1097/ALN.0000000000002821 Accessed August 9, 2020.