Anestesia fora da sala de cirurgia: revisão e análise de processos julgados

Paul A. Lefebvre, JD

INTRODUÇÃO

Anestesia fora da sala de cirurgia: revisão e análise de processos julgados.Com os avanços em procedimentos minimamente invasivos e o desejo de atender às necessidades de uma população de pacientes em constante mudança, os anestesiologistas são cada vez mais solicitados a prestar serviços fora do ambiente tradicional de centro cirúrgico.1,2 Nossa empresa de seguro profissional na área médica monitora ativamente as tendências de frequência e gravidade de processos relacionados a eventos adversos que ocorrem em casos de anestesia fora do centro cirúrgico, como unidades de endoscopia, laboratórios de cateterismo cardíaco, salas de radiologia intervencionista e consultórios. Recentemente examinamos os últimos 200 processos que resultaram no pagamento de indenizações. Desses 200 processos, 28 envolviam procedimentos anestésicos realizados fora do centro cirúrgico. Embora os casos de anestesia fora do centro cirúrgico tenham representado apenas 14% dos processos que resultaram em acordo ou decisão judicial, o pagamento médio para procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia foi 44% maior que o de processos originados em centro cirúrgico. Notadamente, observamos que uma porcentagem maior de processos pagos por procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia envolveu lesões catastróficas, como lesões cerebrais e morte, que os processos em procedimentos dentro de centros cirúrgicos.

Neste artigo, examinamos um estudo de caso e exploramos alguns dos desafios únicos enfrentados quando defendemos anestesiologistas em processos judiciais decorrentes de resultados adversos em procedimentos fora da sala de cirurgia.

ESTUDO DE CASO

Um homem de 64 anos foi submetido a uma colonoscopia eletiva. O histórico médico do paciente era significativo para obesidade mórbida, hipertensão, diabetes e apneia obstrutiva do sono. A técnica anestésica foi sedação intravenosa com via aérea não protegida. O oxigênio foi fornecido via cânula nasal a uma taxa de 4 litros por minuto. Quinze minutos após o procedimento, o gastroenterologista notou que o paciente estava hipotenso e tinha uma arritmia, que evoluiu para bradicardia. Quando as luzes foram ligadas novamente, o paciente parecia estar cianótico. Sua saturação de oxigênio era de 75% e ele tinha um batimento cardíaco de 49. O anestesiologista colocou uma máscara facial no paciente e aumentou o fluxo de oxigênio para 8 litros por minuto. A condição do paciente continuou deteriorando, e ele entrou em assistolia. Um código foi acionado, e o anestesiologista manteve as vias aéreas do paciente. Houve retorno da circulação espontânea após várias manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP). O paciente foi transferido para a UTI, onde foi iniciado o protocolo de hipotermia. Uma tomografia computadorizada posterior revelou inchaço cerebral difuso. O paciente nunca recuperou a consciência, e sua família optou por retirar as medidas de suporte. O paciente faleceu no sétimo dia pós-operatório.

A esposa e os filhos do paciente entraram com uma ação judicial contra o anestesiologista e sua equipe. A família alegou que o anestesiologista se desviou do padrão de cuidados ao (1) sedar excessivamente o paciente, (2) não proteger suas vias aéreas em função do alto risco de obstrução, (3) não utilizar a capnografia para medição de EtCO2 qualitativo e (4) não reconhecer e manejar oportunamente a depressão respiratória do paciente. Os advogados de defesa refutaram as alegações relativas à profundidade da sedação e do suporte às vias aéreas, e essas alegações perderam força durante o curso do litígio. Em seu depoimento, o anestesiologista testemunhou que monitorou a troca de gases do paciente com capnografia, mas não se lembrou de incluir esse registro nos relatórios. Embora esse ponto tenha complicado a defensibilidade do caso, o advogado de defesa indicou que não seria um obstáculo intransponível se o júri considerasse o testemunho do anestesiologista confiável. Entretanto, a defesa soube mais tarde que uma enfermeira presente no evento estava disposta a testemunhar que o anestesiologista não monitorou atentamente o paciente, e que, durante o procedimento, estava mostrando fotos em seu celular às enfermeiras. O advogado de defesa relatou que a probabilidade de um ganho de causa seria substancialmente diminuída se esse testemunho chegasse a um júri. Assim, as partes chegaram a um acordo nos limites previstos pela apólice do anestesiologista.

DESAFIOS DA DEFESA EM PROCESSOS DE PROCEDIMENTOS ANESTÉSICOS FORA DA SALA DE CIRURGIA

Embora os dados sugiram que os pacientes em procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia, em média, são mais velhos e medicamente mais complexos do que a população de pacientes de centro cirúrgico,3 nossa experiência em processos indica que esses dados não se alinham com a percepção do público em geral sobre os riscos associados a procedimentos nesse ambiente. Os advogados dos requerentes caracterizam regularmente os procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia como de rotina e baixo risco, alegando que a explicação mais plausível para o resultado adverso foi a negligência do profissional. Dezenas de milhões de procedimentos são realizados anualmente fora do ambiente tradicional de centro cirúrgico nos Estados Unidos.4-6 Com base no volume total de procedimentos anestésicos realizados fora da sala de cirurgia, muitos possíveis jurados terão passado por um procedimento semelhante ou acompanhado um ente querido em uma situação desse tipo. Se o procedimento em questão era rotineiro e de baixo risco nas experiências vividas pelos jurados, torna-se mais desafiador refutar as generalizações dos requerentes e defender casos com base em argumentos médicos com testemunho de especialistas.

Além disso, alguns ambientes não cirúrgicos são propensos a um maior controle das pressões de produção e incentivos econômicos, particularmente em instalações ambulatoriais com altos volumes de procedimentos. Quando um processo envolve um código acionado ou outra emergência, os advogados de acusação normalmente avaliam a equipe e os recursos das instalações para determinar se havia profissionais, equipamento e medicamentos de resgate adequados prontamente disponíveis. Se tiverem qualquer evidência indicando que funcionários ou recursos adicionais poderiam ter evitado uma crise ou melhorado o resultado do paciente, eles usarão essas alegações para compor um tema simples, porém eficaz: o ganho econômico teve prioridade sobre a segurança do paciente.

Outra teoria de responsabilidade frequentemente utilizada em processos envolvendo procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia é que o anestesiologista não adotou critérios adequados na seleção do paciente ou não considerou técnicas alternativas de anestesia. O especialista do requerente, que conhece o resultado do paciente antes de formar uma opinião, analisa os registros médicos e os depoimentos pela lente do viés retrospectivo. Os anestesiologistas são frequentemente criticados por não avaliarem o paciente como sendo de alto risco, ou por empregarem a técnica anestésica adaptada ao modelo de prática do estabelecimento, e não às necessidades individuais do paciente.

Por fim, examinamos um número relativamente significativo de processos envolvendo anestesia fora da sala de cirurgia nas quais um médico, enfermeiro ou outro profissional cuidando do paciente fez observações depreciativas sobre o anestesiologista, muitas vezes alegando que o resultado adverso do paciente era atribuível à sua falta de vigilância. Isso pode decorrer do fato de que o procedimento anestésico fora da sala de cirurgia é como um “jogo fora de casa” para o anestesiologista. Quando os serviços de anestesia fora do centro cirúrgico são realizados em ambientes novos ou pouco conhecidos, os outros membros da equipe podem se sentir mais inclinados a acusar ou culpar diretamente um anestesiologista com quem trabalham com pouca frequência e com quem não desenvolveram um relacionamento profissional.

ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR A SEGURANÇA DO PACIENTE EM PROCEDIMENTOS ANESTÉSICOS FORA DA SALA DE CIRURGIA

As decisões mais fáceis de defender são aquelas tomadas no melhor interesse da saúde e segurança do paciente. Para isso, os anestesiologistas devem levar o tempo que for necessário para realizar uma avaliação pré-anestésica abrangente e definir uma técnica anestésica adaptada ao paciente com base no histórico médico do indivíduo e na natureza do procedimento planejado. Os anestesiologistas devem ter autonomia para selecionar a técnica anestésica mais adequada para o paciente e, embora o profissional responsável pelo procedimento possa contribuir, é o anestesiologista que, em última instância, tomar a decisão.

Infelizmente, não existe anestesia sem risco, e os pacientes podem apresentar complicações mesmo nas circunstâncias mais seguras. Por essa razão, os anestesiologistas devem dedicar o tempo necessário ao processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido. É importante que os anestesiologistas destaquem os riscos pertinentes e deem aos pacientes a oportunidade de fazer perguntas antes do procedimento. Quando há uma complicação catastrófica, os processos de negligência profissional são abertos pelos familiares do paciente, que podem não reconhecer que havia riscos significativos associados ao procedimento. Assim, com permissão do paciente, os anestesiologistas podem considerar incluir membros da família na obtenção do consentimento livre e esclarecido quando o risco de complicações é maior.

Os anestesiologistas devem garantir que os locais de procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia tenham pessoal e recursos adequados para prestar serviços de anestesia com segurança. O equipamento de emergência e os medicamentos de resgate devem ter manutenção adequada e ser prontamente acessíveis. Em locais onde uma parada cardiopulmonar seja muito improvável, como consultórios odontológicos ou centros de endoscopia independentes, pode ser útil definir as responsabilidades dos membros da equipe de procedimentos em caso de emergência. Se for prático, a realização de simulações periódicas de acionamento de código nessas instalações pode garantir que a equipe de procedimentos esteja bem preparada caso surja uma crise real.

Por fim, os anestesiologistas devem aproveitar oportunidades para conhecer os outros membros da equipe de procedimentos ao trabalhar em um ambiente novo ou pouco conhecido. Todos os envolvidos no atendimento do paciente compartilham um objetivo comum: realizar o procedimento com segurança e obter o melhor resultado possível para o paciente. Os anestesiologistas podem reforçar esse objetivo comum comunicando-se ativamente com outros profissionais na sala, particularmente durante as fases críticas do procedimento, para demonstrar que estão concentrados e engajados no cuidado do paciente.

CONCLUSÃO

Todos os dias, milhares de procedimentos anestésicos fora de centros cirúrgicos são realizados nos Estados Unidos sem qualquer complicação, melhorando a vida de inúmeros pacientes. Embora nossos dados de processos julgados sugiram maior risco de responsabilidade quando ocorrem complicações maiores nesses procedimentos, o número de processos em relação ao total de procedimentos realizados permanece pequeno. Além disso, a incidência de processos por procedimentos anestésicos fora da sala de cirurgia decorrentes de complicações pequenas é bastante baixa na experiência de nossa empresa. Entretanto, quando os anestesiologistas são nomeados em processos judiciais resultantes de complicações catastróficas durante um procedimento fora do centro cirúrgico, eles enfrentarão desafios únicos na defesa do cuidado prestado. Entendendo melhor essas alegações e teorias de responsabilidade comuns, os anestesiologistas podem trabalhar com outros profissionais e com as instalações para evitar críticas indevidas, melhorar os resultados e promover uma cultura de segurança do paciente.

 

Paul A. Lefebvre, JD, é advogado sênior em processos na Preferred Physicians Medical (PPM).


O autor não apresenta conflitos de interesse.


Referências

  1. Wong T, Georgiadis PL, Urman RD, Tsai MH. Non-operating room anesthesia: patient selection and special considerations. Local Reg Anesth. 2020;13:1-9. PMID: 32021414
  2. Walls J, Weiss M. Safety in non-operating room anesthesia (NORA). APSF Newsletter. 2019;34:3-4,21. https://www.apsf.org/article/safety-in-non-operating-room-anesthesia-nora/ Accessed December 12, 2002.
  3. Nagrebetsky A, Gabriel RA, Dutton RP, Urman RD. Growth of nonoperating room anesthesia care in the United States: a contemporary trends analysis. Anesth Analg. 2017;124:1261-1267. PMID: 27918331
  4. Saltzman S, Weinstein M, Ali MA. Patients undergoing outpatient upper endoscopy and colonoscopy on the same day (double procedures) are at increased risk for adverse respiratory outcomes. Am J Gastroenterol. 2019;114:307-308. https://journals.lww.com/ajg/Abstract/2019/10001/531_Patients_Undergoing_Outpatient_Upper_Endoscopy.531.aspx. Accessed December 12, 2022.
  5. Manda YR, Baradhi KM. Cardiac catheterization risks and complications. [Updated 2022 Jun 11]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK531461/. Accessed November 15, 2022.
  6. Urman R, Shapiro F. Improving patient safety in the office: The Institute for Safety in Office-Based Surgery. APSF Newsletter. 2011;25:3-4. https://www.apsf.org/article/improving-patient-safety-in-the-office-the-institute-for-safety-in-office-based-surgery/. December 12, 2002.