Dispositivos supraglóticos para vias aéreas (DSGVAs) e cirurgia laparoscópica

Shauna Schwartz, DO; Yong G. Peng, MD, PhD, FASE, FASA
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Os dispositivos supraglóticos para vias aéreas (DSGVAs) continuam ganhando popularidade e são cada vez mais utilizados em práticas anestésicas. Entretanto, a eficácia e a segurança dos DSGVAs para cirurgia laparoscópica são contestadas. Embora não sejam tradicionalmente utilizados em cirurgia laparoscópica, os DSGVAs oferecem vários benefícios para pacientes adequadamente selecionados.

EVOLUÇÃO DO DISPOSITIVO SUPRA GLÓTICO PARA CONTROLE DA VIA AÉREA (DSGVA)

Cirurgia laparoscópicaDesde a invenção do primeiro DSGVA, o dispositivo passou por vários avanços de design que melhoram seu perfil de segurança.1 A clássica máscara laríngea desenvolvida pela Teleflex (Wayne, PA) foi um dos primeiros DSGVAs.1 Com design relativamente simples, essa máscara revolucionou o conceito de manejo das vias aéreas permitindo ventilação sem o uso das mãos e evitando a obstrução das vias aéreas superiores com a máscara facial.1 A inovação levou à criação dos DSGVAs de segunda geração, que permitem maiores pressões de vazamento orofaríngeo.1 Esse aprimoramento permite a maior proteção contra conteúdos gástricos regurgitados e reduz o risco de aspiração.1-3 Além disso, permite o fornecimento de uma ventilação com pressão positiva mais bem sucedida.1,2

VIAS AÉREAS SUPRAGLÓTICAS E HEMODINÂMICA

Um benefício potencial dos DSGVAs em cirurgia laparoscópica é a melhoria da estabilidade hemodinâmica.3-5 Em um estudo que avaliou os níveis de hemodinâmica e catecolamina em pacientes obesos submetidos à banda gástrica laparoscópica, os pacientes randomizados usando o tubo endotraqueal (TET) em vez de um DSGVA tiveram pressão arterial mais alta e níveis de catecolamina circulante mais altos ao longo do procedimento que no grupo usando o dispositivo.4 Níveis elevados de catecolaminas podem aumentar a frequência cardíaca do paciente, o que pode prejudicar o fornecimento de oxigênio ao miocárdio,4 além de levar a um estado protrombótico.4 O aumento das catecolaminas também pode exacerbar complicações perioperatórias. Portanto, os DSGVAs são uma opção atraente em algumas populações de alto risco. A colocação do DSGVA resulta em menor estimulação simpática e tem o potencial de requerer menos anestesia, evitando reduções na resistência vascular sistêmica e a depressão miocárdica.5-7 A combinação de um pico de catecolaminas e o aumento da exigência anestésica para o uso de tubo endotraqueal (TET) pode levar a mais alterações hemodinâmicas que podem não ser bem toleradas em certas populações de pacientes.

COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS COM DSGVAS E TETS

Outro benefício potencial dos DSGVAs em relação aos TETs é que os DSGVAs podem estar associados a menos morbidade das vias aéreas do que os TETs.5,6,8,9 A incidência de dor de garganta no ambiente cirúrgico ambulatorial foi de 45,5% em pacientes com TET em comparação com 17,5% em pacientes com DSGVA.9 Em uma metanálise de ensaios randomizados controlados comparando o DSGVA e o TET em pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica eletiva, houve maior incidência de laringoespasmo, disfagia, disfonia, dor de garganta e rouquidão no grupo TET.8 Da mesma forma, pacientes pediátricos submetidos à anestesia com infecções respiratórias superiores recentes apresentam um risco maior de complicações respiratórias, como broncoespasmo e laringoespasmo, com o TET do que com o DSGVA.6,10 Quando pacientes pediátricos de 3 meses a 16 anos de idade com infecção respiratória superior recente foram randomizados para receber anestesia em DSGVA e não em TET em diversos procedimentos cirúrgicos eletivos, os pacientes usando TETs tiveram uma incidência maior de broncoespasmo e dessaturação, definida como SpO2 <90%, durante o manejo das vias aéreas em comparação com pacientes que utilizaram o DSGVA.6 Há uma taxa reduzida de laringoespasmo, tosse e dessaturação em pacientes pediátricos submetidos à correção de hérnia laparoscópica com colocação de DSGVA quando comparados à colocação de TET.11 Os dados sugerem que o DSGVA pode reduzir o risco de complicações respiratórias perioperatórias, mesmo em um grupo de alto risco para broncoespasmo, laringoespasmo e dessaturação.6,11 Além disso, os estudos mencionados acima sugerem uma redução nas queixas relacionadas às vias aéreas dos pacientes associadas ao uso de DSGVA, bem como redução de complicações das vias aéreas.

A redução na morbidade das vias aéreas e menos distúrbios hemodinâmicos podem contribuir para altas mais rápidas em pacientes cujo manejo das vias aéreas é feito com um DSGVA.4 Em um ensaio controlado randomizado que avaliou a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e o tempo de internação hospitalar, os pacientes que utilizaram DSGVA na anestesia para laparoscopia gástrica preencheram os critérios de alta da SRPA 17 minutos antes dos pacientes que utilizaram o TET.4

DSGVAS E VENTILAÇÃO DURANTE PNEUMOPERITÔNIO

Um dos aspectos desafiadores da cirurgia laparoscópica é o pneumoperitônio. As mudanças fisiológicas associadas a um pneumoperitôneo podem levar ao aumento da pressão abdominal, à redução da excursão diafragmática e, por fim, à redução da complacência respiratória, o que dificulta a eficácia da ventilação e aumenta a probabilidade de regurgitação gástrica e o risco de aspiração.3,12,13 No entanto, os DSGVAs mais recentes são projetados para permitir maior pressão de vazamento orofaríngeo.1,3,8 Isso é vantajoso porque permite uma melhor ventilação, particularmente ao implementar a ventilação por pressão positiva.8,14 Em uma metanálise de ensaios randomizados controlados comparando o uso de TETs e DSGVAs em pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica, os estudos não encontraram diferença na incidência de pressão de vazamento orofaríngeo ou dessaturação.8 Isso sugere que é possível proporcionar ventilação eficaz com um DSGVA durante o pneumoperitônio.3,7,8,14-16 Em outra metanálise comparando ensaios randomizados controlados, séries de casos e amplos estudos observacionais prospectivos, a ventilação foi considerada eficaz em 99,5% dos pacientes com DSGVA.14 O único subgrupo preocupante de pacientes eram aqueles com IMC >30, uma vez que eles têm maior probabilidade de requerer a utilização de TET devido a obstrução respiratória ou vazamento de ar.14 Esses estudos apoiam a ideia de que a ventilação e a oxigenação adequadas podem ser alcançadas com a utilização de um DSGVA para cirurgia laparoscópica em pacientes não obesos.

Outra desvantagem comumente citada dos DSGVAs é a insuflação gástrica resultante da vedação insuficiente.5 A insuflação gástrica traz o risco de aspiração,5 que é uma das contraindicações mais citadas para a utilização de DSGVAs, particularmente em pacientes com risco aumentado (Tabela 1).17 Em pacientes com alto risco de aspiração, como pacientes sem jejum e aqueles com obstrução intestinal, é prudente continuar usando a intubação com TET. Entretanto, há muitos estudos sobre o uso bem-sucedido de DSGVAs de segunda geração em cirurgia laparoscópica sem evidência de insuflação ou aspiração gástrica.7,8,14 Um dos maiores determinantes de vazamento e insuflação gástrica é a vedação e o posicionamento do DSGVA.3,5,18 Quando avaliados após a insuflação gástrica por um broncoscópio de fibra ótica, 44% dos DSGVAs de primeira geração estavam mal posicionados.18 No entanto, os DSGVAs de primeira geração corretamente posicionados mostraram apenas 3% de incidência de insuflação gástrica.18 Os DSGVAs de segunda geração foram projetados para reduzir o risco de insuflação gástrica, permitindo melhor vedação e maior pressão de vazamento orofaríngeo.1,3,18 Assim, os DSGVAs de segunda geração reduzem o risco potencial de refluxo gástrico e aspiração quando comparados aos DSGVAs de primeira geração.2,8,19 Além disso, os DSGVAs de segunda geração são equipados com uma porta gástrica que pode drenar o conteúdo gástrico das vias aéreas e servir como um duto para a colocação do tubo gástrico.1,2 Os DSGVAs têm sido utilizados com sucesso sem evidências de aspiração em pacientes adequadamente selecionados submetidos à cirurgia laparoscópica.15

Tabela 1: Características do paciente com indicação para uso de DSGVA14,17,20

Tabela 1: Características do paciente com indicação para uso de DSGVA

CONCLUSÃO

Os DSGVAs de segunda geração são uma opção segura para cirurgias laparoscópicas em pacientes adequadamente selecionados. Eles são melhores que os DSGVAs de primeira geração na proteção contra insuflação gástrica e aspiração. Eles também têm melhor ventilação que é eficaz mesmo com pneumoperitôneo (Tabela 2). Os anestesiologistas podem precisar descontinuar o uso de dispositivos de primeira geração em cirurgias laparoscópicas devido à menor pressão de vazamento orofaríngeo e ao aumento da incidência de insuflação gástrica em dispositivos com vedação inadequada. Com exceção desse aspecto, os DSGVAs podem oferecer diversos benefícios em relação aos TETs em cirurgias laparoscópicas, incluindo melhor estabilidade hemodinâmica, risco reduzido de complicações respiratórias perioperatórias e redução da morbidade das vias aéreas, podendo até contribuir para uma alta hospitalar mais precoce. Os DSGVAs de segunda geração têm muitos benefícios que justificam seu uso em cirurgias laparoscópicas.

Tabela 2: Benefícios potenciais dos DSGVAs1,2,4,6,9,17

Tabela 2: Benefícios potenciais dos DSGVAs

 

Shauna Schwartz, DO, é bolsista de anestesia cardiotorácica do Departamento de Anestesiologia da University of Florida – College of Medicine.

Yong G. Peng, MD, PhD, FASE, FASA, é professor de anestesiologia e chefe da Divisão de Anestesia Cardiotorácica do Departamento de Anestesiologia da University of Florida – College of Medicine em Gainesville, FL.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.


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