Utilização de dados para a melhoria da segurança e qualidade

Holly B. Ende, MD; Jonathan P. Wanderer, MD, MPhil

Utilização de dados para a melhoria da segurança e qualidadeA prestação de cuidados anestésicos seguros e eficazes é fundamentada na ciência da melhoria da qualidade, que se baseia em relatórios precisos e oportunos dos resultados dos pacientes. Na era do registro eletrônico de saúde (RES) e da expansão dos bancos de dados nacionais, montanhas de dados relativos aos pacientes e seus cuidados continuam se acumulando, com potencial para orientar as iniciativas de segurança do paciente agora e no futuro. Sem treinamento extensivo em ciência de dados e informática, os anestesiologistas na linha de frente do atendimento ao paciente podem achar assustador acessar, interpretar e usar dados do RES e outras fontes para apoiar iniciativas de segurança e qualidade do paciente. Para ajudar a melhorar o atendimento ao paciente, os dados devem ser organizados, estruturados e ter contexto e significado. Uma maneira de conseguir essa transformação de dados em informação e conhecimento é criar modelos de dados.1 Modelos de dados podem ser uma ferramenta útil na estruturação, simplificação e operacionalização de dados no mundo real.

Os modelos de dados são uma ferramenta para padronizar e adicionar significado aos dados, o que por sua vez promove o entendimento compartilhado e facilita sua extração e utilização. Com o mapeamento em segundo plano dos principais pontos de dados e sua posterior validação, os usuários podem facilitar significativamente o acesso a dados importantes.2,3 Por exemplo, se um diretor de qualidade quiser criar um sistema automatizado que recupere semanalmente dados de RES com resultados pós-operatórios e os distribua por e-mail à equipe médica, será possível usar um modelo de dados para definir e identificar esses resultados.

Em nossa instituição, o Perioperative Data Warehouse (PDW) é um banco de dados interno que coleta e armazena dados de várias fontes, permitindo fácil acesso para iniciativas operacionais, de pesquisa e de qualidade. As fontes para esses tipos de armazéns podem incluir prontuários médicos eletrônicos (PME), dados relatados por pacientes (por exemplo, levantamentos de pacientes) e dados que não são de PMEs de profissionais (por exemplo, relatórios de eventos adversos). A coleta e combinação de dados dessas diversas fontes em um banco comum é uma maneira poderosa de investir em custos iniciais e energia para permitir o acesso fácil, eficiente e direto aos dados por médicos de todas as especialidades e com diferentes experiências tecnológicas. No exemplo anterior, cada resultado de interesse (lesão renal aguda, náuseas e vômitos pós-operatórios, reintubação etc.) já foi definido, mapeado e validado dentro do PDW, tornando o uso operacional desses dados (por exemplo, enviando e-mails semanais automatizados aos médicos) simples e otimizado.

Além disso, os responsáveis pela melhoria da qualidade e os pesquisadores podem acessar facilmente esses dados retrospectivamente para avaliar a eficácia das iniciativas de aprimoramento. Como exemplo, após a implementação de um sistema de lembrete eletrônico para solicitar que os médicos verificassem a glicose intraoperatória em pacientes diabéticos, os pesquisadores de nossa instituição puderam facilmente monitorar a aderência e publicar dados mostrando não apenas o aumento das taxas de monitoramento da glicose, mas também a diminuição das taxas de hiperglicemia e infecções do sítio cirúrgico.4 Em outra iniciativa de qualidade na unidade de trabalho de parto e de parto, os pesquisadores demonstraram que uma abordagem algorítmica padronizada na recarga epidural para dores de parto recorrentes resultou no maior número de cateteres substituídos em 30 minutos após a primeira recarga administrada, refletindo uma identificação mais rápida dos cateteres que não funcionavam.

Os modelos de dados podem ser desenvolvidos internamente ou adquiridos de fornecedores terceirizados, mas também são fornecidos por vários sistemas comerciais de RES, que utilizam modelos para criar funcionalidades que proporcionem aos usuários finais acesso a dados clínicos e de qualidade sem necessidade de treinamento intensivo ou demorado. Por exemplo, o Oracle Cerner (Austin, TX) e o Epic Systems (Verona, WI) são dois RESs amplamente usados em sistemas nacionais de saúde que empregam várias interfaces de fácil utilização para permitir que os profissionais tenham acesso aos dados dos pacientes (Tabela 1).

Tabela 1. Interfaces simples de acesso a dados de pacientes

PowerInsight Explorer Ferramenta de inteligência empresarial da Cerner Millennium® que permite a criação de relatórios operacionais, clínicos e de desempenho em tempo real
Reporting Workbench Ferramenta da Epic que permite aos usuários criar relatórios personalizados usando modelos específicos com critérios que definem populações e elementos de dados de interesse (por exemplo, localização da sala de cirurgia, diagnóstico principal etc.)
Slicer Dicer Ferramenta da Epic que permite explorar dados usando buscas personalizáveis compatíveis com vários modelos de dados, incluindo um modelo de registros anestésicos

Por fim, aqueles interessados em acompanhar tendências nacionais em dados de qualidade e segurança podem recorrer a grandes fontes de dados nacionais como o National Anesthesia Clinical Outcomes Registry (NACOR), o Multicenter Perioperative Outcomes Group (MPOG) ou o National Surgical Quality Improvement Program (NSQIP). Cada uma dessas fontes de dados tem pontos fortes e limitações, e aqueles interessados em utilizar esses recursos para responder perguntas relacionadas à qualidade devem entender esses limites. Por exemplo, o NACOR, que recebe suporte da American Society of Anesthesiologists e inclui dados de milhões de casos de milhares de práticas em todos os Estados Unidos, faz uma excelente captura de elementos de dados relacionados a faturamento, mas não consegue capturar resultados com a mesma uniformidade. Tendo em mente os limites de acesso e análise dos dados dessas grandes fontes nacionais, os médicos podem usá-los apropriadamente para responder a questões relacionadas à segurança que requerem dados longitudinais, diferentes tipos de prática e um grande número de anestésicos. Tal metodologia já foi utilizada para avaliar questões como os efeitos da sobreposição de cirurgias, fatores de risco para hipoglicemia intraoperatória pediátrica e padrões de dor e uso de opioides pós-operatórios.6-8

Para fortalecer iniciativas de melhoria da qualidade e aumentar a segurança do paciente durante o tratamento anestésico, o acesso a dados perioperatórios e os conjuntos de habilidades para trabalhar com esses dados é fundamental. Embora o tratamento de dados crus subjacentes possa ser um desafio, há várias ferramentas disponíveis aos usuários dentro dos RESs que facilitam a análise dos dados. O uso de um modelo de dados pode facilitar a elaboração de relatórios e a recuperação de dados, mas requer o esforço inicial para desenvolver um modelo local ou para mapear e validar o modelo de um fornecedor de RES. Por fim, essas abordagens podem ser utilizadas sinergicamente para fornecer uma visão abrangente das operações perioperatórias e dos resultados anestésicos, transformando os dados em conhecimento acionável que os anestesiologistas possam usar para promover melhores práticas.

 

Holly Ende, MD, é professora assistente no Departamento de Anestesiologia na Vanderbilt University Medical Center, Nashville, TN.

Jonathan Wanderer, MD, MPhil, é professor no Departamento de Anestesiologia e Informática Biomédica na Vanderbilt University Medical Center, Nashville, TN.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.


Referências

  1. Hofer IS, Gabel E, Pfeffer M, et al. A systematic approach to creation of a perioperative data warehouse. Anesth Analg. 2016;122:1880–1884. PMID: 27195633.
  2. Epstein RH, Dexter F. Database quality and access issues relevant to research using anesthesia information management system data. Anesth Analg. 2018;127:105–114. PMID: 29596094.
  3. Epstein RH, Hofer IS, Salari V, Gabel E. Successful implementation of a perioperative data warehouse using another hospital’s published specification from Epic’s electronic health record system. Anesth Analg. 2021;132:465–474. PMID: 32332291.
  4. Ehrenfeld JM, Wanderer JP, Terekhov M, et a. A perioperative systems design to improve intraoperative glucose monitoring is associated with a reduction in surgical site infections in a diabetic patient population. Anesthesiology. 2017;126:431–440. PMID: 28106608.
  5. Ende HB, Tran B, Thampy M, et al. Standardization of epidural top-ups for breakthrough labor pain results in a higher proportion of catheter replacements within 30min of the first bolus dose. Int J Obstet Anesth. 2021;47:103161. PMID: 33931311.
  6. Sun E, Mello MM, Rishel CA, et al. Association of overlapping surgery with perioperative outcomes. JAMA. 2019;321:762–772. PMID: 30806696.
  7. Riegger LQ, Leis AM, Golmirzaie KH, Malviya S. Risk factors for intraoperative hypoglycemia in children: a multicenter retrospective cohort study. Anesth Analg. 2021;132:1075–1083. PMID: 32639390.
  8. Stuart AR, Kuck K, Naik BI, et al. Multicenter perioperative outcomes group enhanced observation study postoperative pain profiles, analgesic use, and transition to chronic pain and excessive and prolonged opioid use patterns methodology. Anesth Analg. 2020;130:1702–1708. PMID: 31986126.