O uso de sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) como unidade de cuidado intensivo (UTI) é uma decisão que pode ser tomada para acomodar pacientes em excesso que requerem cuidados críticos. Há inúmeros riscos e benefícios para o uso alternativo da SRPA, que devem ser considerados pela equipe hospitalar e de cuidados críticos. Os anestesistas devem desempenhar um papel essencial na avaliação da alocação de recursos da SRPA devido às potenciais implicações de segurança do paciente e eficiência da sala de cirurgia.
INTRODUÇÃO
O uso de sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) para unidades de terapia intensiva (UTI) é uma decisão frequentemente tomada durante períodos de alta utilização de leitos de terapia intensiva. No início de 2020, a pandemia de COVID-19 apresentou esse desafio para hospitais sobrecarregados com pacientes gravemente doentes. A necessidade de cuidados em nível de UTI excedeu muito a capacidade existente, e as UTIs improvisadas de repente se tornaram a norma, especialmente nas regiões dos EUA com concentrações excessivamente altas de surtos virais iniciais.
Algumas UTIs substitutas foram inicialmente estabelecidas em SRPAs, onde médicos, enfermeiros e profissionais de prática avançada estão familiarizados com o manejo de respiradores. Nos primeiros dias da pandemia de COVID-19, o uso imediato da SRPA para UTI era lógico, uma vez que as cirurgias eletivas estavam suspensas e a capacidade para acomodar o excesso de pacientes estava prontamente disponível. Hospitais gerais e salas de emergência também foram convertidos em UTIs, à medida que surgiu a necessidade de aumentar as unidades de cuidados intensivos. Em casos extremos de demanda de leitos, as salas cirúrgicas foram convertidas em UTIs, e a máquina de anestesia foi operacionalizada para ventilação mecânica na UTI.1 Embora não seja uma solução ideal, a rápida conversão de unidades que não eram UTI para UTIs funcionais foi alcançada com vários graus de dificuldade e sucesso para acomodar pacientes que necessitavam de manejo das vias aéreas e suporte respiratório. Modificações adicionais foram feitas nas SRPA para estabelecer salas de isolamento, como a colocação de divisórias temporárias e a construção de antessalas com filtragem HEPA. Embora não seja universal, algumas salas de cirurgia foram convertidas de pressão de fluxo de ar positiva para pressão negativa, o que pode reduzir a contaminação viral.
Quando o excesso de pacientes atingiu os leitos normais, mais modificações foram necessárias para prestar cuidados com qualidade de UTI. Felizmente, com o apoio de organizações como o Corpo de Engenheiros do Exército e autoridades locais, estaduais e federais, os hospitais resistiram aos surtos iniciais de COVID e ficaram mais bem equipados e experientes para lidar com crises futuras. Essas associações governamentais contribuíram com equipamentos médicos especializados e mão de obra clínica/logística, incluindo enfermeiros e médicos, além da montagem de tendas de triagem para gerenciar a superlotação de salas de emergência.
O USO PRÉ-PANDEMIA DE SRPAS COMO UTI EM MOMENTOS DE EXCESSO DE PACIENTES
Mesmo antes da pandemia, os leitos de SRPA eram utilizados como espaço extra de UTI, à medida que o volume cirúrgico hospitalar e a acuidade do paciente aumentavam.2 Por exemplo, a SRPA foi utilizada quando a unidade de terapia intensiva (UTI) cirúrgica estava com excesso de pacientes.2 Em sua funcionalidade tradicional como uma UTI superlotada, dois tipos de pacientes críticos podem ser admitidos na SRPA: aqueles admitidos diretamente da sala de cirurgia devido à falta de disponibilidade de leitos na UTI (superlotação de pacientes) e aqueles trazidos da UTI cirúrgica para a SRPA para liberar um leito para um paciente mais grave (por exemplo, pacientes em bomba de balão intra-aórtico ou terapia renal substitutiva contínua).
A principal responsabilidade de uma SRPA é fornecer um padrão ideal de cuidado para pacientes pós-anestésicos e garantir que o cronograma cirúrgico seja mantido, disponibilizando capacidade para a sala de cirurgia.3 Assim, a literatura anterior defendeu fortemente ser contra o uso da SRPA como uma solução para a escassez de leitos de terapia intensiva.3 Isso ocorre devido à possível escassez de leitos na SRPA que pode afetar a funcionalidade da sala de cirurgia. Em 2000, a American Society of PeriAnesthesia Nurses, a American Association of Colleges of Nursing e a American Society of Anesthesiologists emitiram uma declaração conjunta sobre o excesso de UTI na SRPA, defendendo uma abordagem multidisciplinar para desenvolver a utilização adequada dos leitos de UTI e minimizar a necessidade de locais para excesso de pacientes.3 A literatura recente defendeu a utilização de SRPAs como UTIs após uma consideração cuidadosa do impacto em três grupos distintos: pacientes em excesso na UTI, pacientes pós-operatórios admitidos regularmente na SRPA e profissionais de enfermagem perioperatória.4
A SRPA, no entanto, surgiu como uma alternativa segura e eficaz para pacientes gravemente doentes, à medida que mais procedimentos cirúrgicos foram transferidos para centros ambulatoriais e hospitais cheios de casos mais agudos.5 Sem a construção de unidades adicionais para acomodar pacientes em nível de UTI, os administradores de hospitais muitas vezes procuram utilizar a SRPA para o excesso de pacientes, devido ao espaço disponível, monitores avançados e equipamentos essenciais, bem como equipe treinada no atendimento de pacientes graves.5
VANTAGENS NO USO DE SRPA COMO UTI
Existem inúmeros potenciais benefícios em usar a SRPA como UTI no momento de excesso de pacientes quando exigido por condições clínicas. A SRPA encontra-se próxima a sala de cirurgia, facilitando o uso da unidade quando a UTI cirúrgica está lotada, para pacientes em pós-operatório imediato. Frequentemente, é mais rápido e menos complicado transferir um paciente que requer cuidados de nível de UTI cirúrgica para a SRPA do que para uma UTI não cirúrgica potencialmente mais distante. A equipe de enfermagem da SRPA também é altamente treinada e qualificada para cuidar de um ou mais pacientes entubados, em respiradores ou que requerem cuidados especializados (por exemplo, infusões de vasopressores, hemofiltração venovenosa contínua (CVVH), bombas de balão intra-aórtico (IABP) e manejo de cateter de artéria pulmonar). Uma análise de caso retrospectiva de pacientes tratados na SRPA durante a noite após uma cirurgia cardíaca demostrou diminuição de morbidade e mortalidade em pacientes quando comparado com os pacientes tratados na UTI.6
DESVANTAGENS NO USO DE SRPA COMO UTI
Existem várias razões pelas quais o uso rotineiro de uma SRPA para pacientes críticos pode ser prejudicial tanto para os pacientes quanto para a funcionalidade da sala de cirurgia. Os médicos da UTI e os provedores de prática avançada podem não estar prontamente disponíveis para a SRPA e os enfermeiros da SRPA podem não estar familiarizados ou adequadamente treinados para gerenciar todas as nuances dos cuidados na UTI, especialmente se o paciente normalmente for internado em uma UTI especializada. O histórico de admissão e o fluxo de trabalho de documentação para um paciente de UTI também podem diferir significativamente daquele de um paciente pós-operatório em SRPA.
Os pacientes críticos da SRPA também podem usar o espaço e a equipe que são posteriormente necessários para pacientes pós-cirúrgicos e, portanto, a eficiência e a segurança da sala de cirurgia para outros pacientes podem ser impactadas negativamente. Isso pode levar ao atraso ou cancelamento de cirurgias e uma diminuição na satisfação do médico e do paciente.
As expectativas e habilidades de enfermagem da SRPA para se adaptar a uma mudança significativa nas atividades de atendimento ao paciente também podem ser um fator estressante que afeta o atendimento ao paciente.7 Enfermeiros da SRPA descrevem angústia e uma sensação de cuidado abaixo do padrão quando entrevistados como parte de um estudo clínico para avaliar as atitudes de enfermagem em relação ao cuidado de pacientes de UTI na SRPA.8 Dada a complexidade dos pacientes de UTI, é provável que o tempo de permanência na SRPA seja maior do que o típico paciente pós-operatório. Os pacientes e suas famílias também podem ficar confusos quanto a quem está gerenciando o atendimento ao paciente na SRPA. O cuidado na SRPA é geralmente prestado pelos profissionais de anestesia9 em colaboração com a equipe cirúrgica. Os pacientes da UTI geralmente são atendidos principalmente por um médico intensivista e por uma equipe multidisciplinar especializada, profissionais que muitas vezes não estão presentes de forma consistente em uma SRPA. Isso pode causar confusão quando um familiar ou ente querido está na SRPA, mas sendo cuidado por uma equipe médica de uma unidade de terapia intensiva.
DIFERENÇAS NA INFRAESTRUTURA DE UMA SRPA E UMA UTI
A infraestrutura de uma SRPA é muito diferente de uma UTI. As UTIs têm espaço, leitos, assentos e comodidades para os familiares dos pacientes, enquanto as SRPA normalmente não possuem esses recursos. As SRPAs têm o potencial de expor os pacientes ambulatoriais aos pacientes mais doentes da UTI. Finalmente, as SRPAs normalmente não possuem os recursos que as unidades de internação possuem, como farmácias satélite com profissionais internos, pontos de serviço social/pastoral e equipamentos de movimentação/posicionamento de pacientes.9,10
RECOMENDAÇÕES
Antes de utilizar a SRPA para pacientes de UTI, cada instituição deve pesar as potenciais vantagens e desvantagens e considerar cada fator no contexto de maximizar a segurança do paciente e a utilização eficiente dos recursos (Tabela 1). É imperativo que cada instituição avalie sua capacidade e recursos disponíveis e reavalie diariamente suas necessidades. Uma vez que haja uma compreensão adequada da capacidade e das necessidades de um hospital, a equipe hospitalar pode desenvolver um plano para alocação eficiente de recursos e considerar o uso da capacidade excedente em unidades como a SRPA.
Tabela 1. Potenciais vantagens e desvantagens do uso da SRPA para pacientes em estado crítico.
Vantagens | Desvantagens |
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Os profissionais de anestesia devem estar envolvidos nas discussões sobre a melhor forma de utilizar os recursos de uma SRPA, dada a importância na gestão dessas unidades e a necessidade de garantir a segurança do paciente e a eficiência da sala de cirurgia. Embora o uso rotineiro de SRPA para cuidados em nível de UTI em pacientes que necessitam de ventilação pós-operatória de curto prazo seja comum nos EUA, o uso rotineiro de SRPA para o excesso de pacientes de UTI é uma prática que requer delineamento de responsabilidades da equipe e transferência de recursos disponíveis.
Os profissionais de anestesia devem garantir que esse processo ocorra de forma que não impacte negativamente a sala cirúrgica ou o cronograma cirúrgico e que mantenha a segurança do paciente. Deve haver comunicação clara para garantir que o manejo de pacientes de UTI seja direcionado pelo corpo clínico mais bem treinado, independentemente da localização física do paciente. Níveis de treinamento apropriados para todos os enfermeiros que deverão cuidar desses pacientes são fundamentais. Recursos físicos como bombas IV, ventiladores e equipamentos de monitoramento devem estar prontamente disponíveis. A equipe de apoio, incluindo fisioterapeutas, auxiliares de enfermagem e maqueiros, também pode beneficiar esses pacientes tratados na SRPA.
CONCLUSÃO
A utilização da SRPA como UTI pode aliviar o estresse do gerenciamento de instalações, administradores hospitalares e médicos intensivistas em tempos de escassez de leitos de UTI. Porém, existem riscos potenciais que podem afetar pacientes, médicos, enfermeiros, prestadores de serviços e equipe auxiliar. Embora as condições de emergência possam tornar seu uso necessário às vezes, a reflexão e o planejamento cuidadosos do atendimento em SRPA para pacientes de UTI devem envolver os profissionais de anestesia para potencialmente mitigar as consequências adversas aos pacientes e à eficiência da sala de cirurgia, implantando esse recurso importante de maneira única.
George Tewfik, MD, MBA, FASA, CPE, MSBA, é professor assistente em Anestesiologia na Rutgers New Jersey Medical School em Newark, NJ.
Anupama Wadhwa, MBBS, MSc, FASA, é professora de Anestesiologia na University of Texas Southwestern, Dallas, TX, e está envolvido com o Outcomes Research Consortium, Cleveland Clinic.
Stephen Rivoli, DO, MPH, CPHQ, CPPS, é professor clínico assistente no Departamento de Anestesiologia, Cuidado Perioperatório e Medicina da Dor na NYU Grossman School of Medicine em Nova York, NY.
Patricia Fogarty Mack, MD, FASA, é professora associada de Anestesiologia Clínica no Weill Cornell Medicine em Nova York, NY.
Os autores não apresentam conflitos de interesse.
REFERÊNCIAS
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