Manejo perioperatório da ingestão de bateria botão em crianças

Monica Hoagland, MD; Sydney Yee, MD; Richard Ing, MBBCh, FCA (SA); Debnath Chatterjee, MD, FAAP

Baterias botãoA ingestão de corpos estranhos é um evento comum em pacientes pediátricos. A ingestão de baterias botão é particularmente perigosa. Embora a incidência de ingestão de baterias botão não tenha mudado nos últimos 30 anos,1 as visitas ao pronto-socorro, a morbidade grave e a mortalidade aumentaram drasticamente desde a introdução das baterias de lítio de 3 V que medem 20 mm em 2006.1-3 Essas baterias são maiores e mais potentes que suas antecessoras, o que aumentou a incidência de impactação esofágica e lesão tecidual significativa.2 A incidência geral de morbidade grave ou mortalidade após a ingestão de uma bateria botão é de 0,42%.1 No entanto, em crianças menores de seis anos que ingerem baterias > 20 mm, as taxas de complicações graves chegam a 12,6%.2 Todas as mortes relatadas ocorreram em crianças menores de cinco anos.4

O principal mecanismo de lesão é a geração de corrente eletrolítica que hidrolisa os fluidos teciduais e produz íons hidróxidos no polo negativo da bateria.2 Isso cria um ambiente altamente alcalino que eleva o pH do tecido local até 12 ou 13, levando à necrose liquefativa dos tecidos adjacentes. Essas baterias também podem causar perfuração e erosão em estruturas adjacentes, incluindo vias aéreas, vasculatura, estruturas mediastinais ou medula espinhal. A maioria das 67 mortes relatadas ao National Capital Poison Center foi causada por hemorragia de fístulas vasculares esofágicas ou complicações de fístulas traqueoesofágicas.4 O desenvolvimento de uma fístula aortoesofágica é um achado ameaçador, pois há apenas quatro casos relatados de sobrevida na literatura.5-8

Devido ao potencial de morbidade e mortalidade significativas, é imperativo fazer uma triagem rápida e manejar os pacientes que apresentam uma ingestão de bateria botão confirmada ou suspeita. Diretrizes de manejo perioperatório, fatores de risco para lesões significativas e novas estratégias de mitigação pré-operatórias são de particular importância para os profissionais de anestesia. O dano causado pelas baterias botão é determinado pela localização e duração da impactação, bem como pela orientação, tamanho e voltagem da bateria.9,10 A impactação esofágica da bateria prolonga o contato entre a bateria e o tecido esofágico, aumentando o risco de danos. Os danos teciduais começam a se desenvolver 15 minutos após o contato com uma bateria botão, e o risco de lesões graves aumenta com a duração da exposição à bateria.11 Os tecidos comprometidos podem continuar a apresentar necrose liquefativa progressiva por dias a semanas após a remoção da bateria.12 Devido a esses problemas, a bateria botão deve ser removida por endoscopia emergencialmente, preferencialmente em até 2 horas após a ingestão, e o paciente deve ser monitorado no pós-operatório quanto a sinais de lesão progressiva.12

Infelizmente, a ingestão de corpos estranhos em crianças com frequência não é testemunhada, e os sintomas podem facilmente ser atribuídos incorretamente a doenças respiratórias ou gastrointestinais, o que atrasa significativamente o diagnóstico.13 Portanto, é necessário um alto índice de suspeita clínica. Além disso, muitos pais e profissionais de saúde desconhecem os perigos da ingestão de bateria botão e podem não procurar tratamento de emergência.14 Mesmo que o paciente seja prontamente trazido para atendimento médico, o centro médico pode não ter os especialistas pediátricos e os equipamentos necessários para manejar o paciente, incluindo médicos de emergência, otorrinolaringologistas, gastroenterologistas, cirurgiões gerais ou cardiotorácicos e anestesiologistas. Se a transferência para outra unidade for necessária, a remoção da bateria será ainda mais postergada.

Protocolos padronizados para triagem e manejo de pacientes com suspeita de ingestão de bateria botão foram publicados por vários grupos.9,10,15,16 O objetivo dessas diretrizes é identificar pacientes de alto risco e agilizar o processo de remoção da bateria botão. Diretrizes abrangentes de manejo do National Capital Poison Center podem ser encontradas em www.poison.org/battery/guideline. A avaliação inicial deve incluir radiografias do pescoço, tórax e abdome para localizar e identificar o objeto ingerido. É necessário remover imediatamente qualquer corpo estranho impactado no esôfago, baterias botão com sintomas gástricos e baterias que são ingeridas juntamente com um ímã. Uma abordagem de manejo conservador poderá ser adotada se a criança tiver > 12 anos, estiver assintomática, sem histórico de patologia esofágica e com ingestão conhecida de uma única bateria com < 12 mm de diâmetro sem outros corpos estranhos.

Tabela 1: Estratificação de risco para ingestão de bateria botão em crianças9

Tabela 1: Estratificação de risco para ingestão de bateria botão em crianças9

Uma vez tomada a decisão de prosseguir com a remoção, deve ser feita uma avaliação de risco (Tabela 1). As impactações esofágicas são mais prováveis de ocorrer em crianças pequenas (< 5 anos), pacientes com patologia ou estenose esofágica subjacente e após a ingestão de baterias maiores (> 20 mm de diâmetro). Além disso, a impactação ao nível do arco aórtico, principalmente com o polo negativo (lado estreito) da bateria posicionado posteriormente, aumenta o risco de lesão vascular. Qualquer sinal de sangramento gastrointestinal é ameaçador e sinaliza uma possível fístula vascular esofágica. Os pacientes que atendem a qualquer um desses critérios são considerados de alto risco. Aqueles com impactação esofágica que não atendem aos critérios acima ou não apresentam sintomas gástricos da bateria são considerados de risco intermediário. Finalmente, pacientes assintomáticos e/ou ingestão de pequenas baterias (< 20 mm) em crianças maiores (> 5 anos) sem histórico de patologia esofágica são de baixo risco.9

Pacientes de risco intermediário e baixo podem ser atendidos em uma sala de cirurgia geral por gastroenterologistas com ou sem cirurgiões gerais de plantão. Para pacientes de alto risco, deve-se considerar o envolvimento de cardiologistas intervencionistas ou cirurgiões cardiotorácicos. Esses pacientes podem precisar de acesso vascular mais invasivo, monitorização hemodinâmica, ressuscitação volêmica e administração de hemoderivados.

Discussões detalhadas sobre o manejo anestésico e a monitorização pós-operatória necessários para esses pacientes foram descritos em outras publicações.9,10 A via aérea deve ser protegida por indução de sequência rápida. A equipe deve estar preparada para instabilidade hemodinâmica e/ou respiratória no momento da remoção da bateria, principalmente se houver lesão vascular ou das vias aéreas. Após a remoção da bateria, uma nova endoscopia e broncoscopia são realizadas para avaliar a lesão do esôfago e das vias aéreas.

No pós-operatório, o paciente deve ser monitorado quanto a lesões progressivas no esôfago e nos tecidos circundantes. A duração e o nível de acuidade do atendimento a pacientes internados dependem da lesão inicial observada durante a remoção da bateria. A administração repetida de anestésicos pode ser necessária para exames de imagem seriados e/ou avaliação endoscópica.

Devido ao potencial de remoção tardia da bateria botão e de danos teciduais contínuos, várias estratégias de mitigação foram investigadas. As baterias botão criam um ambiente alcalino que, em última análise, leva a danos na mucosa e necrose liquefativa.12,17 Estudos em modelos animais (leitões) vivos e cadavéricos demonstraram que a irrigação com soluções fracamente ácidas antes da remoção da bateria neutraliza o ambiente alcalino e diminui o dano tecidual em comparação com a irrigação com solução salina.17,18 Essas soluções incluem bebidas domésticas comuns (sucos, refrigerantes e bebidas esportivas), bem como soluções viscosas (mel, melaço e caldas), que uma criança pode ingerir com segurança. Mel e sucralfato neutralizam mais eficazmente o ambiente alcalino criado pela bateria botão. Eles também estão associados a danos teciduais menos extensos e taxas reduzidas de perfuração esofágica tardia em comparação com a irrigação com solução salina.18 Ambas as soluções são fracamente ácidas e formam uma barreira física viscosa entre a bateria e o tecido. Em um estudo separado, a irrigação com solução de ácido acético a 0,25% após a remoção da bateria botão neutralizou o pH do tecido esofágico, o que também pode diminuir a progressão da lesão tecidual e retardar as complicações observadas após a remoção da bateria botão.17

Com base nesses estudos, as diretrizes de manejo do National Capital Poison Control Center agora incluem recomendações para mitigar a lesão tecidual antes e após a remoção da bateria botão.15 Mel e/ou sucralfato devem ser administrados por via oral (10 mL a cada 10 minutos) desde o momento da ingestão até a retirada da bateria. Devido a preocupações com botulismo em bebês, pacientes com menos de 12 meses de idade não devem receber mel. Nada deve ser administrado por via oral se tiverem se passado > 12 horas desde a ingestão da bateria ou se houver preocupação com perfuração esofágica, mediastinite ou sepse. Nenhum outro medicamento, fluido ou alimento deve ser administrado por via oral e não se deve induzir o vômito, pois a bateria desalojada pode ser aspirada e o vômito pode causar ou piorar a perfuração esofágica.

É fundamental observar que, embora essas intervenções reduzam as lesões, a bateria ainda deve ser removida emergencialmente. Os pais devem dirigir-se imediatamente ao serviço de emergência, e a remoção não deve ser postergada devido ao nível de ingestão oral do paciente. Depois que a bateria for removida e não houver evidências de perfuração, o esôfago pode ser irrigado com solução de ácido acético a 0,25% (50-150 mL) para neutralizar as substâncias alcalinas residuais.

Em conclusão, os perigos da ingestão de baterias botão e a necessidade de sua remoção emergencial são subestimados por muitos pais e profissionais médicos. Além disso, muitos médicos desconhecem as estratégias de mitigação atualmente recomendadas, e os anestesiologistas podem postergar inadequadamente os casos de pacientes com ingestão recente de mel ou sucralfato.14 Nosso grupo no Children’s Hospital Colorado criou infográficos para pais (Imagem 1a) e profissionais de anestesia (Imagem 1b) para tratar dessas questões. Esperamos que esses infográficos possam ser mostrados em vários ambientes, como consultórios médicos, sites médicos voltados para pais e revistas médicas, para ajudar a aumentar a conscientização sobre essas recomendações. Esses infográficos podem ser acessados no site da Society for Pediatric Anesthesia (www.pedsanesthesia.org). Embora a prevenção primária da ingestão seja a meta final do manejo, também é importante divulgar as diretrizes de tratamento para ajudar a reduzir os resultados graves e potencialmente fatais observados após a ingestão de baterias botão.

Figura 1a: Infográfico que descreve o manejo da ingestão de bateria botão para pais. Usado com permissão obtida pelos autores.

Figura 1a: Infográfico que descreve o manejo da ingestão de bateria botão para pais. Usado com permissão obtida pelos autores.

Figura 1b: Infográfico que descreve o manejo da ingestão de bateria botão para profissionais de anestesia. Usado com permissão obtida pelos autores.

Figura 1b: Infográfico que descreve o manejo da ingestão de bateria botão para profissionais de anestesia. Usado com permissão obtida pelos autores.

 

Monica Hoagland, MD, é professora associada de Anestesiologia no Children’s Hospital Colorado, University of Colorado School of Medicine, Aurora, CO, EUA.

Sydney Lee, MD, é bolsista de Anestesiologia Pediátrica no Children’s Hospital Colorado, University of Colorado School of Medicine, Aurora, CO, EUA.

Richard Ing, MBBCh, FCA (SA), é professor de Anestesiologia no Children’s Hospital Colorado, University of Colorado School of Medicine, Aurora, CO, EUA.

Debnath Chatterjee, MD, FAAP, é professor associado de Anestesiologia no Children’s Hospital Colorado, University of Colorado School of Medicine, Aurora, CO, EUA.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.


Referências

  1. National Capital Poison Center. Button battery ingestion statistics. Available at: https://poison.org/battery/stats. Accessed July 12.2021
  2. Litovitz T, Whitaker N, Clark L, et al. Emerging battery-ingestion hazard: clinical implications. Pediatrics. 2010;125:1168–1177.
  3. Sharpe SJ, Rochette LM, Smith GA. Pediatric battery-related emergency department visits in the United States, 1990–2009. Pediatrics. 2012;129:1111–1117.
  4. National Capital Poison Center. Fatal button battery ingestions: 67 reported cases. Available at: https://poison.org/battery/fatalcases. Accessed July 12, 2021.
  5. Spiers A, Jamil S, Whan E, et al. Survival of patient after aorto-oesophageal fistula following button battery ingestion. ANZ J Surg. 2012;82:186–187.
  6. Mahajan S, Jaswal V, Thingnam SKS, Dogra N. Successful surgical management of an aorto-oesophageal fistula caused by button battery ingestion. Eur J Cardiothorac Surg. 2019;55:790–791.
  7. Wakimoto M, Willer BL, McKee C, et al. Successful management of an aorto-esophageal fistula following button battery ingestion: a case report and review of the literature. Saudi J Anaesth. 2021;15:193–198.
  8. Sinclair EM, Stevens JP, McElhanon B, et al. Development and repair of aorto-esophageal fistula following esophageal button battery impaction: a case report. J Pediatr Surg Case Rep. 2021;66.
  9. Hoagland MA, Ing RJ, Jatana KR, et al. Anesthetic implications of the new guidelines for button battery ingestion in children. Anesth Analg. 2020;130:665–672.
  10. Eck JB, Ames WA. Anesthetic implications of button battery ingestion in children. Anesthesiology. 2020;132:917–924.
  11. Tanaka J, Yamashita M, Yamashita M, Kajigaya H. Esophageal electrochemical burns due to button type lithium batteries in dogs. Vet Hum Toxicol. 1998;40:193–196.
  12. Jatana KR, Litovitz T, Reilly JS, et al. Pediatric button battery injuries: 2013 task force update. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2013;77:1392–1399.
  13. Buttazzoni E, Gregori D, Paoli B, et al. Symptoms associated with button batteries injuries in children: an epidemiological review. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2015;79:2200–2207.
  14. Cairns R, Brown JA, Lachireddy K, et al. Button battery exposures in Australian children: a prospective observational study highlighting the role of poisons information centres. Clin Toxicol. (Phila). 2019;57:404–410.
  15. National Capital Poison Center button battery ingestion triage and treatment guidelines. https://poison.org/battery/guideline. Accessed July 12, 2021.
  16. Sethia R, Gibbs H, Jacobs IN, et al. Current management of button battery injuries. Laryngoscope Investig Otolaryngol. 2021;6:549–563.
  17. Jatana KR, Rhoades K, Milkovich S, Jacobs IN. Basic mechanism of button battery ingestion injuries and novel mitigation strategies after diagnosis and removal. Laryngoscope. 2017;127:1276–1282.
  18. Anfang RR, Jatana KR, Linn RL, Rhoades K, Fry J, Jacobs IN. pH-neutralizing esophageal irrigations as a novel mitigation strategy for button battery injury. Laryngoscope. 2019;129:49–57.