Considerações de segurança em blocos de nervos periféricos

Christina Ratto, MD; Joseph Szokol, MD, JD, MBA; Paul Lee, MD, MS

INTRODUÇÃO

Blocos de nervos periféricos (BNP) são alternativas seguras e eficazes ou suplementos à anestesia geral. Eles podem melhorar o controle da dor tanto durante quanto depois da cirurgia, evitando, assim, muitos dos efeitos colaterais de opioides sistêmicos. Os BNPs também podem levar a maior satisfação do paciente, menor utilização de recursos e podem ser melhores para o meio ambiente reduzindo o uso de gases anestésicos e outros medicamentos.

O uso de BNP aumentou ao longo do tempo. Um estudo usando o Registro nacional de desfechos clínicos de anestesia analisou dados de 12.911.056 cirurgias de pacientes ambulatoriais entre 2010 e 2015 e descobriu um aumento acentuado no BNP geral.1 Com o uso crescente de bloqueios de nervo periférico nos Estados Unidos, queremos examinar problemas de segurança relativos aos procedimentos. Especificamente, vamos examinar a segurança de bloqueios de nervo no que se refere a lesão de nervo, reconhecimento e tratamento de toxicidade sistêmica de anestésicos locais (LAST) e a execução adequada de timeouts pelos profissionais da saúde para evitar bloqueios no lado errado.

USO DE BLOQUEIOS DE NERVO PERIFÉRICO GUIADOS POR ULTRASSOM PARA APRIMORAR A SEGURANÇA DO PACIENTE

BNPs guiados por ultrassom se tornaram rapidamente a abordagem preferencial entre muitos anestesiologistas. O uso de orientação por ultrassom em comparação ao estímulo de nervo periférico pode levar a um sucesso muito maior do bloqueio, menos necessidade de anestesia de resgate, menos dor durante a execução do bloqueio e taxas menores de punção vascular e pleural. Embora não haja evidências convincentes de que a anestesia local guiada por ultrassom reduza o risco de pneumotórax para determinados bloqueios, como bloqueios paravertebral e supraclavicular, a capacidade de visualizar a pleura pode dar confiança de que o espaço pleural não foi violado.2

Foi sugerido que o risco de lesão do nervo seria reduzido ainda mais utilizando ultrassom para visualizar diretamente a agulha e o nervo alvo. Porém, a literatura existente geralmente não embasa o argumento de que blocos guiados por ultrassom reduzem a incidência de sintomas neurológicos pós-operatórios em comparação a outras técnicas, como estímulo de nervo periférico. A fonte principal de lesão neurológica mediada por BNP é provavelmente lesão mecânicas ao fascículo e/ou injeção de anestésico local em um fascículo, causando degeneração axonal e da mielina. Felizmente, a maioria dos sintomas neurológicos após BNP é transitória. A incidência de lesão nerval de longo prazo relatada dos três principais registros é de 4 para 10 mil bloqueios de nervo periférico, o que é simular à incidência histórica associada a bloqueios guiados de estimulação de nervo periférico.2 Parte dessa ausência de diferença pode ser devido à qualidade dos equipamentos de ultrassom e da habilidade da pessoa que realiza o procedimento em identificar o nervo almejado. Os operadores podem não visualizar adequadamente a ponta da agulha e interpretar de modo incorreto os artefatos ao redor. A movimentação da agulha e/ou a hidrossecção podem não garantir a ausência de agulha para contato no nervo ou injeção vascular de anestésicos locais. Em outro registro, a incidência de eventos adversos em entre todos os anestésicos regionais periféricos foi de 1,8 por mil bloqueios para sintomas neurológicos pós-operatórios durando mais de cinco dias, mas apenas 0,9 por mil bloqueios para sintomas neurológicos pós-operatórios durando mais de 6 meses.3 É importante observar que pacientes com neuropatia preexistente podem ter risco maior de disfunção neurológica pós-operatória. A prevenção de injeção intraneural é de máxima importância para a segurança do paciente.4

De modo inverso, o uso de ultrassom reduz significativamente o risco de LAST. Um estudo recente forneceu forte evidência de que o uso de ultrassom pode desempenhar um papel em reduzir a incidência de LAST.5 A orientação por ultrassom permite orientação em tempo real da agulha para evitar lesão vascular e injeção intravascular subsequente do anestésico local. Embora o uso de ultrassom minimize a incidência de LAST (2,7 por 10 mil casos), ainda devemos dar atenção rígida a essa possibilidade, e os provedores devem estar sempre vigilantes quanto à sua ocorrência.6

TOXICIDADE SISTÊMICA DO ANESTÉSICO LOCAL

Em 1998, Weinberg e colegas publicaram o primeiro relato de caso sugerindo que uma infusão de emulsão de óleo de soja, que normalmente era usada para solução de nutrição parenteral, podia prevenir (por pré-tratamento) ou reverter parada cardíaca causada por superdosagem de bupivacaína em rato anestesiado intacto.7 Foram quase duas décadas depois que o relato de LAST foi publicado sobre um paciente submetido a um BNP para cirurgia do ombro que depois desenvolveu parada cardíaca. O paciente não respondeu a esforços de ressuscitação padrão por cerca de 20 minutos, mas alcançou sinais vitais normais logo após receber bolus de 100 ml de emulsão lipídica. O paciente teve recuperação total sem déficits neurológicos nem sequelas cardiovasculares.8

A American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine publicou em 2010 sua checklist de LAST, que passou por revisões em 2012, 2017 e, mais recentemente, em 2020.9 (Figura 1). A checklist foi revisada mais recentemente devido a simulação e feedback do usuário que destacou a falha em enfatizar as diferenças entre os esforços de ressuscitação LAST e ressuscitação guiada por Suporte de Vida Avançado Cardiovascular (ACLS). Estudos em animais demonstraram que algumas das medicações padrão usadas para ACLS, como vasopressina e epinefrina de dose de código, pioraram os desfechos em LAST.10,11 quando os sujeitos da simulação escolheram usar tanto a checklist de LAST quanto a de ACLS, a confusão e as etapas incorretas resultantes levaram a um tratamento atrasado e às vezes incorreto. Foram colocadas advertências no topo das checklists anteriores, mas isso não eliminou os erros ocorridos. O novo desenho de 2020 foi feito para incorporar um sinal de cuidado triangular padrão para destacar as diferenças entre ressuscitação LAST e ACLS. A atualização de 2020 também simplificou a administração de emulsão lipídica para pacientes com mais de 70 kg para um único bolus de 100 ml seguido por uma infusão, em vez de utilizar um cálculo baseado em peso.9

Figura 1. Checklist de toxicidade sistêmica do anestésico local.<br />Usado com permissão da American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine

Figura 1. Checklist de toxicidade sistêmica do anestésico local.
Usado com permissão da American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine

O RISCO DE BLOQUEIOS DE NERVO PERIFÉRICO SOB SEDAÇÃO

Faz um quarto de século desde que o relato de caso chamou a atenção de todos para o risco de aplicação epidural torácica em paciente sob anestesia geral.12 O paciente sofreu lesão na medula espinhal após quatro tentativas de aplicação epidural. Porém, há literatura escassa na população adulta que oriente sobre a segurança ou o risco de aplicar bloqueios regionais em pacientes sob anestesia geral. Na população pediátrica, aplicar bloqueios regionais em pacientes anestesiados é considerado seguro. Isso vem de dados da Pediatric Regional Anesthesia Network, um consórcio de pesquisa multi-institutional que criou um registro de mais de 50 mil bloqueios anestésicos regionais em crianças de menos de 18 anos de idade.13 de modo inverso, em pacientes adultos, com base em rigorosas evidências científicas, a prática principal é aplicar anestésicos regionais em pacientes antes da indução da anestesia geral. A sedação pode melhorar a segurança e o sucesso da aplicação do bloqueio e levar a uma satisfação maior do paciente aprimorando as condições de operação para os anestesiologistas que estão realizando o bloqueio.14 São necessários estudos adicionais para determinar o verdadeiro risco e benefício de aplicar BNPs sob anestesia geral em adultos.

PREVENÇÃO DE BLOQUEIOS NO LADO ERRADO

Bloqueios no lado errado são “eventos nunca” que ainda acontecem

Procedimentos no lado errado são considerados “eventos nunca” mas ainda acontecem a uma taxa de 7,5 a cada 10 mil procedimentos.15 O termo “evento nunca” foi introduzido em 2001 por Ken Kizer, MD, ex-CEO do National Quality Forum (NQF), em referência a erros médicos crassos que nunca devem acontecer.16 Ao longo do tempo, o uso do termo foi estendido para designar eventos adversos que são inequívocos, graves e geralmente evitáveis. Como a lista inicial de “eventos nunca” foi desenvolvida em 2002, ela foi revisada várias vezes ao longo dos anos, e agora inclui 29 “eventos graves relatáveis” agrupados em sete categorias.17

Há determinadas características identificadas na maioria dos bloqueios no lado errado (Tabela 1). Antes de iniciar o bloqueio do nervo, confirmação visual do local correto do procedimento é feita tanto pelo paciente quanto pelo enfermeiro usando padrões específicos da instituição, que podem incluir colocar uma pulseira marcada com a palavra “sim” no lado correspondente ao da cirurgia ou marcada claramente pelo cirurgião ou profissional da saúde que está executando o procedimento. Envolver o paciente no processo antes de receber a sedação ou anestesia leva a menos erros e pode aumentar a satisfação do paciente, pois ele sente que é um participante ativo no processo e ganha confiança nos profissionais.14

Tabela 1: Fatores que contribuem para bloqueios no lado errado15

Características de bloqueios no lado errado
Falha em verificar o local no pré-operatório
Falha do cirurgião em marcar a área de modo adequado
Timeout da anestesia apressado, inadequado ou ausente
Distrações
Mudanças de posição do paciente
Mudanças de agendamento
Comunicação ineficiente

O clínico que está aplicando o bloqueio anestésico regional deve discutir o procedimento operatório/invasivo com o paciente antes de administrar a anestesia/sedação moderada. O paciente deve verbalizar concordância com o procedimento e o local cirúrgico corretos, e a discussão e a verbalização do paciente devem ser documentadas no termo de consentimento. Barreiras à comunicação (por exemplo, deficiências visuais ou aditivas, paciente que não fala o idioma dos profissionais, além do estado emocional do paciente) devem ser abordadas por todos os profissionais para que o paciente possa participar integralmente das discussões pré-operatórias. Medidas adotadas para lidar com barreiras à comunicação devem ser documentadas no prontuário médico.

Toda a documentação relevante, incluindo o termo de consentimento, o histórico de doença presente e os dados de diagnóstico devem ser verificados pelo enfermeiro/equipe do procedimento. Se houver alguma discrepância ou incerteza, o enfermeiro/equipe do procedimento deverá chamar o cirurgião para esclarecimento antes de começar o procedimento.

Imediatamente antes de realizar o bloqueio do nervo periférico, o responsável pelo procedimento deve aplicar o “protocolo universal” e realizar um “timeout” pré-procedimento (Figura 2). O “Timeout” deve ser realizado imediatamente antes da incisão ou do início do procedimento. O processo de “timeout” deve ser realizado no local em que o procedimento vai acontecer, e deve envolver os membros imediatos da equipe de procedimento, incluindo a pessoa que está realizando o procedimento, o enfermeiro circulante e outros participantes ativos no procedimento desde o começo.

Figura 2. Fluxo de trabalho para procedimento de timeout para realizar um bloqueio de nervo periférico.

Figura 2. Fluxo de trabalho para procedimento de timeout para realizar um bloqueio de nervo periférico.

Como um mínimo, o seguinte deve ser feito antes de realizar um bloqueio local:

Quando o anestesiologista está prestes a começar o bloqueio de anestesia local, ele deve confirmar que o local está marcado pela pessoa que está realizando o bloqueio usando o mesmo método descrito acima. Essa é a nossa prática, mas outras instituições podem ter protocolos diferentes em vigor.

CONCLUSÃO

Em resumo, a anestesia local é um suplemento ou alternativa seguro à anestesia geral que pode melhorar a satisfação do paciente e reduzir o uso de opioides e seus efeitos colaterais. Embora os bloqueios de nervo já sejam bastante seguros, é essencial garantir a máxima segurança enquanto se presta um atendimento de excelência. Conforme o uso de anestesia local continua a aumentar, é fundamental realizarmos bloqueios de anestesia local da maneira mais segura possível considerando a orientação de ultrassom quando disponível, entender o reconhecimento e a ressuscitação LAST e executar as checklists pré-procedimento adequadas para evitar bloqueios no lado errado.

 

Christina Ratto, MD, é professora assistente clinica na Keck School of Medicine, Los Angeles, CA.

Joseph Szokol, MD, JD, MBA, é professor clínico na Keck School of Medicine, Los Angeles, CA.

Paul Lee, MD, MS, é professor clinico assistente na Keck School of Medicine, Los Angeles, CA.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.


REFERÊNCIAS

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  2. Neal JM, Brull R, Horn JL, et al. The Second American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine evidence-based medicine assessment of ultrasound-guided regional anesthesia: executive summary. Reg Anesth Pain Med. 2016;41:181–194. PMID: 26695878.
  3. Sites BD, MD, Taenzer AH, Herrick MD. Incidence of local anesthetic systemic toxicity and postoperative neurologic symptoms associated with 12,668 ultrasound-guided nerve blocks an analysis from a prospective clinical registry. Reg Anesth Pain Med. 2012;37:478–482. PMID: 22705953.
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