Um desastre evitável no manejo das vias aéreas

Felipe Urdaneta, MD, FASA

Intubação esofágicaHouve um enorme crescimento e progresso no manejo das vias aéreas nas últimas quatro décadas, apesar de um aumento nos grupos de alto risco, como pacientes de tamanho e peso extremos, trauma e apneia obstrutiva do sono, para citar alguns.1 A introdução, o aperfeiçoamento e a adoção generalizada de diretrizes de manejo da via aérea, juntamente com os avanços tecnológicos, como a introdução e a utilização generalizada de vias aéreas supraglóticas mais recentes, laringoscópios indiretos (videolaringoscópios), avanços nos métodos invasivos de emergência da via aérea, métodos avançados de oxigenação peri-intubação, como a ventilação não invasiva com pressão positiva e a oxigenação nasal de alto fluxo, revolucionaram a forma como abordamos a via aérea em situações eletivas e de emergência.2 Os procedimentos de manejo da via aérea são necessários em pacientes de todos os grupos demográficos e são efetuados por prestadores de cuidados de saúde com diferentes experiências e formações. Embora as tendências pareçam promissoras, ainda ocorrem eventos adversos significativos, e não devemos baixar a guarda.

Uma recente diretriz de consenso internacional esclarece sobre um antigo evento adverso no manejo das vias aéreas.3 Os membros do Project for Universal Management of Airways (PUMA) publicaram as diretrizes de manejo para a prevenção da intubação esofágica não reconhecida ou não detectada. Essas novas diretrizes foram endossadas por sete sociedades de manejo de vias aéreas de todo o mundo.3 Alguns leitores podem ficar surpresos. Haverá necessidade de tais diretrizes no século XXI? É provável que todos os profissionais já tenham experimentado em primeira mão, durante a laringoscopia e a intubação, um caso em que o tubo endotraqueal (IOT) acaba acidentalmente no esôfago. Se isso acontecer e for imediatamente reconhecido, os IOTs mal colocados não causam grandes danos. O verdadeiro problema surge quando o IOT é colocado incorretamente, há um reconhecimento tardio ou não é detectado. Isso pode resultar em lesões cerebrais hipóxicas graves e irreversíveis ou mesmo na morte.4-6

A taxa exata de intubação esofágica não reconhecida é desconhecida. Incidências tão altas quanto 4-26% de todas as intubações foram relatadas em grupos de alto risco, como trauma, estados de baixo fluxo e neonatos.5,7,8 Embora se estime que mais casos ocorram fora da sala de cirurgia e quando o procedimento é realizado por profissionais que não são especialistas em anestesia, os profissionais de anestesia não estão imunes a intubações esofágicas não reconhecidas. A incidência de intubação esofágica não reconhecida na Análise Fechada de Reclamações (CCA) da ASA depende da época relatada. A década de 1980, foi responsável por 6% de todas as reivindicações fechadas de negligência em anestesia.9 Na década de 1990, a ASA determinou que a adequação da ventilação fosse continuamente avaliada por meio da detecção de dióxido de carbono exalado, a menos que invalidada pela natureza do paciente, procedimento ou equipamento.4 Como resultado, a ocorrência caiu drasticamente e levou a que a intubação esofágica não reconhecida fosse considerada por alguns como “virtualmente extinta”; na última revisão de 2019 do CCA, não houve casos relatados.10 Na base de dados do Projeto Nacional de Auditoria IV (NAP4) de 2011, houve nove casos de intubação esofágica não reconhecida; foi o segundo evento adverso mais comum que resultou em morte ou incapacidade.11 Consequentemente, a Difficult Airway Society e o Royal College of Anaesthetists da Grã-Bretanha defenderam uma campanha bem-sucedida para exigir a capnografia sempre que ocorressem procedimentos de vias aéreas.12 Infelizmente, ocorreram outros casos posteriormente que não puderam ser atribuídos à falta de detecção do CO2 exalado.13 A publicação dessas novas diretrizes, um editorial que as acompanha e várias cartas ao editor sugerem que a intubação esofágica não reconhecida continua sendo uma preocupação significativa para todos os profissionais de saúde envolvidos no manejo das vias aéreas e é subnotificada.14-17

Como sugerem estas novas diretrizes, devemos seguir protocolos rigorosos para reduzir totalmente a incidência de intubação esofágica. A utilização da videolaringoscopia como dispositivo de primeira escolha parece prudente e apoiada pela literatura.16 No entanto, atualmente, tal não é universalmente possível e continua a ser uma aspiração devido ao custo percebido e aos recursos limitados, mesmo em países ricos. Deve ser sempre assegurada a colocação correta do tubo traqueal após cada intubação e a monitoramento contínuo do CO2 exalado em pacientes com ventilação mecânica. Nem todos os casos de intubação esofágica ocorrem durante a intubação; os tubos endotraqueais podem ser deslocados do trato respiratório. Isso é especialmente comum na população pediátrica ou quando a cabeça ou o corpo do paciente se movem completamente, por exemplo, durante as manobras de reanimação. Deve existir um elevado índice de suspeita de intubação esofágica se for impossível ventilar um paciente com um ventilador mecânico. Isso se torna evidente após a administração de agentes neuromusculares. Existem muitos relatos anedóticos de pacientes com IOTs mal colocados que conseguem respirar enquanto a função diafragmática estiver preservada; quando esta deixa de existir, após relaxamento muscular, ocorre uma deterioração profunda e dessaturação.

A entubação esofágica pode acontecer mesmo nas mãos de profissionais de saúde experientes. Não se trata de um problema exclusivo de profissionais inexperientes ou menos qualificados. Nem sempre será possível evitar as entubações esofágicas. O objetivo deve ser dar prioridade e trabalhar em medidas que ajudem a detectar rapidamente a colocação de um tubo traqueal. Essas novas orientações nos lembram de que devemos resistir à complacência e à passividade na promoção de medidas destinadas a reduzir os danos indevidos para os pacientes.

Em conclusão, essas diretrizes recentemente publicadas sobre a prevenção da entubação esofágica não reconhecida lançam uma visão moderna sobre um problema antigo, um evento adverso de baixa frequência e de grande impacto. Apesar de muitos avanços tecnológicos e sucessos, ainda há muito a ser aprendido. Nenhum paciente deve ser prejudicado por uma intubação esofágica não reconhecida, e todos nós devemos seguir os fundamentos para reduzir esse evento indesejado.

 

Felipe Urdaneta, MD, FASA, é professor clínico de anestesiologia, University of Florida, Gainesville, FL.


Felipe Urdaneta, MD, FASA, faz parte do conselho consultivo da Vyaire e é consultor da Medtronic. Também faz parte do grupo de oradores da Vyaire e da Medtronic.


REFERÊNCIAS

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  2. Apfelbaum JL, Hagberg CA, Connis RT, et al. 2022 American Society of Anesthesiologists practice guidelines for management of the difficult airway. Anesthesiology. 2022;136:31–81. PMID: 34762729
  3. Chrimes N, Higgs A, Hagberg CA, et al. Preventing unrecognised oesophageal intubation: a consensus guideline from the Project for Universal Management of Airways and international airway societies. Anaesthesia. 2022;77:1395–1415. PMID: 35977431
  4. Honardar MR, Posner KL, Domino KB. Delayed detection of esophageal intubation in anesthesia malpractice claims:brief report of a case series. Anesth Analg. 2017;125:1948–1951. PMID: 28207593
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  11. Cook TM, Woodall N, Frerk C. Major complications of airway management in the UK: results of the Fourth National Audit Project of the Royal College of Anaesthetists and the Difficult Airway Society. Part 1: anaesthesia. Br J Anaesth. May 2011;106:617–631. PMID: 21447488
  12. Russotto V, Cook TM. Capnography use in the critical care setting: why do clinicians fail to implement this safety measure? Br J Anaesth. 2021;127:661–664. PMID: 34503831
  13. Cook TM, Harrop-Griffiths AW, Whitaker DK, et al. The ‘No Trace=Wrong Place’ campaign. Brit J Anaesth. 2019;122:e68–e69. PMID: 30857613
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  17. Sakles JC, Ross C, Kovacs G. Preventing unrecognized esophageal intubation in the emergency department. J Am Coll Emerg Physicians Open. 2023;4:e12951. PMID: 37128296