Por que o foco em diversidade, equidade e inclusão é um imperativo na segurança e qualidade do paciente perioperatório

Paloma Toledo, MD, MPH; Jerome Adams, MD, MPH

DiversidadeEm Crossing the Quality Chasm (Cruzando o abismo da qualidade), o Instituto de Medicina definiu seis domínios para aprimorar o sistema de saúde. A assistência de saúde deve ser segura, efetiva, centrada no paciente, oportuna, eficiente e equitativa.1 Há muito tempo, os profissionais de anestesia são reconhecidos como líderes na segurança do paciente2 e têm trabalhado para atingir quatro objetivos: promover melhores desfechos para o paciente, melhorar a satisfação do paciente, reduzir o desgaste dos médicos e reduzir custos.³ Embora a segurança da medicina e da anestesiologia tenha aumentado significativamente nos últimos 100 anos,⁴ não observamos ganhos equivalentes na assistência equitativa, ou seja, a assistência cuja qualidade não varia de acordo com as características pessoais, como gênero, etnia, localização geográfica ou situação socioeconômica.1

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (United States Centers for Disease Control and Prevention) define as disparidades como diferenças evitáveis na carga de doenças, ferimentos, violência ou oportunidades para alcançar a saúde ideal, vivenciadas por populações socialmente desfavorecidas.5 Uma grande parcela dos desfechos de saúde negativos ocorre em um pequeno subconjunto da nossa população de pacientes.6 Com frequência demasiada, seja por mortalidade infantil ou materna, doença cardiovascular e suas complicações ou dor crônica ou aguda não tratada, esse subconjunto populacional é composto, de maneira desproporcional, por pessoas de diferentes contextos.6 Além disso, identificou-se disparidades éticas e racionais na anestesiologia.

Vários estudos tiveram como foco as diferenças raciais e étnicas no manejo da dor de procedimentos cirúrgicos ou durante o trabalho de parto e o parto em si.7-10 A analgesia neuroaxial durante o trabalho de parto é a mais eficaz modalidade de tratamento da dor do parto.7 O American Congress of Obstetricians and Gynecologists e a American Society of Anesthesiologists promovem o uso de analgesia neuroaxial devido a sua eficácia e segurança tanto para a mãe quanto para o recém-nascido.8

Contudo, apesar de 60% das parturientes nos EUA utilizarem analgesia neuroaxial no trabalho de parto para controle da dor,9 existe menor probabilidade de mulheres negras e hispânicas utilizarem esse método, em comparação com mulheres brancas não hispânicas (62%, 48% e 69%, respectivamente).10-12 Entre mulheres hispânicas, existe uma diferença adicional no uso do método observada no primeiro idioma falado, sendo que mulheres com espanhol como primeiro idioma têm menor probabilidade de antecipar (razão de chances ajustada de 0,70 [IC de 97,5%:0,53 a 0,92]) e utilizar (razão de chances ajustada de 0,88 [IC de 97,5%:0,78 a 0,99]) a analgesia neuroaxial em comparação com mulheres hispânicas falantes de inglês.13 Essas diferenças no uso de analgesia neuroaxial durante o parto podem ter implicações à segurança no momento da cesariana. A anestesia neuroaxial é o modo de anestesia preferencial de cesarianas em razão dos vários benefícios à mãe e ao recém-nascido, em comparação com a anestesia geral.14-16 Contudo, existem disparidades étnicas e raciais nas taxas de anestesia neuroaxial da cesariana,7,8 sendo que a taxa de uso de anestesia geral é quase o dobro para mulheres negras comparado a mulheres brancas não hispânicas (11,3% versus 5,2%).7,8 Existe pouca informação sobre o motivo dessa discrepância (p. ex.: diferenças em fatores de risco de anestesia geral por raça/etnia, etc.), já que a maior parte dos estudos sobre discrepâncias étnicas e raciais entre modos de anestesia para cesariana aconteceu com populações gerais. Esses são alguns exemplos dos muitos estudos que documentaram disparidades étnicas e raciais no atendimento médico.

Árvore de diversidadeEntender as causas das disparidades é fundamental para elaborar intervenções efetivas. As disparidades podem surgir em termos de paciente, do profissional ou do sistema de saúde.17 Em termos de paciente, fatores como alfabetização em saúde, entendimento do quadro clínico e das opções de tratamento pelo paciente e primeiro idioma falado podem contribuir para as disparidades. Quanto ao profissional de saúde, também podem contribuir o conhecimento das opções de tratamento e os preconceitos do profissional. Por fim, nos sistemas de saúde, pode haver diferenças com base nos recursos dos hospitais.

Tendo em vista os vários níveis em que as disparidades podem surgir, é importante avaliar as diferenças por raça/etnia e monitorar as mudanças à medida que intervenções são implementadas. O padrão-ouro é solicitar aos pacientes a autoidentificação de raça e etnia. Outras estratégias, como identificação da equipe ou uso do sobrenome do paciente, mostraram-se imprecisas.18,19 Em um estudo, que comparou a precisão da identificação da raça e da etnia dos pacientes pela equipe do hospital com a raça e a etnia informadas pelos próprios pacientes, coletadas para uma finalidade diferente, a faixa de concordância foi imperfeita para todos os grupos étnicos e raciais.18 A equipe do hospital poderia selecionar a raça e a etnia a partir de seis categorias (hispânico, indígena norte-americano, negro/afro-americano, asiático, branco e desconhecido/ausente). A concordância foi maior para pacientes brancos (76%), mas, em outros grupos étnicos e raciais, diminui, ficando em 68% para negro/afro-americano, 57% para hispânicos, 33% para asiáticos e 1% para indígenas norte-americanos.18 Garantir a precisão da raça/etnia e os dados do idioma é essencial para elaborar painéis que avaliem disparidades na assistência local. Embora os profissionais de anestesia não coletem tais informações diretamente, é imperativo que trabalhem com a liderança do hospital visando garantir que esses dados sejam coletados com precisão.

Os médicos também deveriam receber treinamento sobre o uso da tomada de decisão compartilhada (TDC), que possibilita a discussão ativa entre pacientes e profissionais. Na TDC, os profissionais de saúde compartilham com o paciente os riscos relevantes, benefícios e alternativas de tratamentos. Além disso, o paciente compartilha informações pessoais e crenças que tornariam o tratamento mais ou menos desejável.20,21 Tendo em vista que os profissionais de anestesia muitas vezes não têm o privilégio de ter relacionamentos preexistentes com um paciente, pode ser uma maneira de conquistar a confiança e entender quais medos ou equívocos o paciente possui. Alguns grupos têm uma desconfiança histórica e de longa data em relação ao sistema médico. Um dos exemplos mais flagrantes e subjacentes a essa desconfiança é o reprovável Estudo Tuskegee, em que foi negado o tratamento para sífilis em homens negros, sendo enganados pelos médicos e pelo governo norte-americano.22 Consequentemente, muitos pacientes negros chegam ao sistema médico com pouca confiança. Dessa forma, uma quantidade de tempo “igual” e um nível de interação com um médico (especialmente se vier de um contexto racial diferente) podem não promover um grau equivalente de confiança em todos os pacientes. Estratégias para aprimorar a confiança e a comunicação entre pacientes e profissionais de saúde são importantes para alcançar a igualdade. Incorporar a oportunidade de construir relacionamentos e discutir opções de tratamento com os pacientes perioperatórios, por exemplo, em uma clínica pré-operatória, pode ser uma forma de começar a desenvolver a confiança e envolver os pacientes antes do dia da cirurgia.

As soluções adicionais para reduzir disparidades podem ser identificadas nos níveis do paciente, do profissional de saúde e dos sistemas de saúde. Além de utilizar a tomada de decisão compartilhada, é importante os profissionais orientarem os pacientes no idioma de preferência deles e recorrer a intérpretes profissionais para a comunicação com pacientes com proficiência limitada em inglês.23 Além disso, garantir que o material educacional de pacientes seja facilmente lido e atenda às necessidades de alfabetização em saúde do paciente melhorará a comunicação entre paciente e profissional de saúde.24,25 No nível do profissional, a conscientização de disparidades e a criação de uma cultura de igualdade podem ser realizadas por meio de formação educacional, pesquisas departamentais, avaliações de necessidades e criação de fóruns para o diálogo aberto.26 Além do mais, setores de anestesiologia podem incorporar práticas recomendadas para diversidade de recursos humanos e participar de programas de mentoria, como o programa Médicos de volta à escola (Doctors Back to School Program),27 que vão expor os residentes e estudantes de medicina à nossa área. O programa Diversidade na enfermagem anestesiológica (Diversity in Nurse Anesthesia Program) se concentra na educação, capacitação e mentoria de populações carentes com informações que aprimorem a carreira em anestesia.28 A lista não é exaustiva, porém, ilustra várias formas tangíveis que os profissionais de anestesia podem adotar para reduzir disparidades.

Os profissionais de anestesia são líderes no aumento da segurança do paciente, identificando problemas e potenciais soluções, realizando exames e encaminhando intervenções efetivas. O escopo da nossa área expandiu para além da sala de cirurgia, chegando ao contexto pré e pós-operatório. Solucionar disparidades deve ser a próxima meta da nossa especialidade. Se os nossos pacientes tiverem barreiras linguísticas, capacidades diferentes ou vierem de comunidades com um longo histórico de discriminação pelos sistemas de saúde, existem vastas evidências de que o foco na diversidade, equidade e inclusão aumentará a segurança, a qualidade e os desfechos dos pacientes.

 

Paloma Toledo, MD, MPH, é professora assistente do Departamento de Anestesiologia na Northwestern University.

Jerome Adams, MD, MPH, é professor do Departamento de Anestesiologia da Purdue University e diretor executivo da Purdue’s Health Equity Initiative.


Os autores não apresentam conflitos de interesse.


Referências

  1. Institute of Medicine (IOM). Committee on Health Care in America. Crossing the quality chasm: a new health system for the 21st century. National Academy Press: Institute of Medicine; 2001.
  2. Institute of Medicine. To err is human: building a safer health system. Washington, D.C.: National Academy Press; 1999.
  3. Bodenheimer T, Sinsky C. From triple to quadruple aim: care of the patient requires care of the provider. Ann Fam Med. 2014;12:573–576.
  4. Toledo P, Wong CA. A century of progress and collaboration between obstetric anesthesiologists, Anesthesia & Analgesia, and the International Anesthesia Research Society. Anesth Analg. 2022:in press.
  5. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Racism and health. https://www.cdc.gov/healthequity/racism-disparities/index.html. Accessed on: March 10, 2022.
  6. Agency for Healthcare Research and Quality. 2021 national healthcare quality and disparities report. https://www.ahrq.gov/research/findings/nhqrdr/nhqdr21/index.html. Accessed on: February 14, 2022.
  7. Anim-Somuah M, Smyth RM, Cyna AM, Cuthbert A. Epidural versus non-epidural or no analgesia for pain management in labour. Cochrane Database Syst Rev. 2018 May 21;5(5):CD000331.
  8. American College of Obstetricians and Gynecologists. Pain relief during labor. ACOG Committee Opinion No 295. Obstet Gynecol. 2004;104:213.
  9. Osterman MJ, Martin JA. Epidural and spinal anesthesia use during labor: 27-state reporting area, 2008. Natl Vital Stat Rep. 2011;59:1–13, 6.
  10. Rust G, Nembhard WN, Nichols M, et al. Racial and ethnic disparities in the provision of epidural analgesia to Georgia Medicaid beneficiaries during labor and delivery. Am J Obstet Gynecol. 2004;191:456–462.
  11. Glance LG, Wissler R, Glantz C, et al. Racial differences in the use of epidural analgesia for labor. Anesthesiology. 2007;106:19–25.
  12. Toledo P, Sun J, Grobman WA, et al. Racial and ethnic disparities in neuraxial labor analgesia. Anesth Analg. 2012;114:172–178.
  13. Toledo P, Eosakul ST, Grobman WA, et al. Primary spoken language and neuraxial labor analgesia use among hispanic Medicaid recipients. Anesth Analg. 2016;122:204–209.
  14. Task Force on Obstetric Anesthesia and the Society for Obstetric Anesthesia and Perinatology. Practice guidelines for obstetric anesthesia: an updated report by the American Society of Anesthesiologists. Anesthesiology. 2016;124:270–3.
  15. Afolabi BB, Lesi FE. Regional versus general anaesthesia for caesarean section. Cochrane Database Syst Rev. 2012;10:CD004350.
  16. Lavoie A, Toledo P. Multimodal postcesarean delivery analgesia. Clin Perinatol. 2013;40:433–455.
  17. Kilbourne AM, Switzer G, Hyman K, et al. Advancing health disparities research within the health care system: a conceptual framework. Am J Public Health. 2006;96:2113–2121.
  18. Boehmer U, Kressin NR, Berlowitz DR, et al. Self-reported vs administrative race/ethnicity data and study results. Am J Public Health. 2002;92:1471–1472.
  19. Ulmer C, McFadden B, Nerenz DR, et al. Institute of Medicine: Race, ethnicity, and language data: standardization for health care quality improvement. Washington, DC: National Academies Press; 2009.
  20. King JS, Moulton BW. Rethinking informed consent: the case for shared medical decision-making. Am J Law Med. 2006;32:429–501.
  21. Kaplan RM. Shared medical decision making. a new tool for preventive medicine. Am J Prev Med. 2004;26:81–83.
  22. Lerner BH, Caplan AL. Judging the past: how history should inform bioethics. Ann Intern Med. 2016;164:553–557.
  23. Karliner LS, Jacobs EA, Chen AH, et al. Do professional interpreters improve clinical care for patients with limited English proficiency? A systematic review of the literature. Health Serv Res. 2007;42:727–754.
  24. National Institutes of Health. Clear communication: health literacy. https://www.nih.gov/institutes-nih/nih-office-director/office-communications-public-liaison/clear-communication. Accessed February 14, 2022.
  25. Institute of Medicine. Health literacy: a prescription to end confusion. Washington, DC: National Academies Press, 2004.
  26. Nwokolo OO, Coombs AT, Eltzschig HK, et al. Diversity and inclusion in anesthesiology. Anesth Analg; 2022: in press
  27. Ross VH, Toledo P, Johnson CW, et al. Committee on Professional Diversity Partners with AMA Doctors Back to School Program, encourages students to enter health care pipeline. ASA Monitor. 2016;80:52–53. https://pubs.asahq.org/monitor/article-abstract/80/9/52/5680/Committee-on-Professional-Diversity-Partners-With?redirectedFrom=fulltext, Accessed April 25, 2022.
  28. https://diversitycrna.org/. Accessed on April 24, 2022.