DEBATE DE PRÓS E CONTRAS – PRÓ: Inteligência Artificial (IA) na Área da Saúde

Michael Buist, MbChB, MD, FRACP, FCICM

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Este Debate de Prós e Contras realizou-se na Stoelting Conference de 2019, intitulada “Patient Deterioration: Early Recognition, Rapid Intervention, and the end of Failure to Rescue.” Os dois autores deste debate têm experiência na adoção da inteligência artificial para manejar pacientes que estão se deteriorando no ambiente hospitalar.

A inteligência artificial (IA), ou inteligência de máquina, foi definida como “inteligência demonstrada por máquinas, em contraste com a inteligência natural exibida por seres humanos” e “qualquer dispositivo que perceba seu ambiente e execute ações que maximizem sua chance de alcançar metas com êxito”1.

A Wikipedia continua classificando a IA em três tipos de sistema1:

  1. Analítico
  2. Inspirada no ser humano
  3. Inteligência artificial humanizada

A IA foi fundada como campo acadêmico em 1956. Nas seis décadas seguintes, ela evoluiu para desenvolver sistemas capazes de realizar tarefas complexas em tempo real que seriam inatingíveis pelo cérebro humano sem assistência. Os primeiros a adotar a IA incluem os militares, que usaram drones autônomos e semiautônomos; o setor de finanças, em que a IA permite a detecção de fraudes em tempo real; e a indústria automotiva, na qual a IA facilita a prevenção de colisões.

A indústria multitrilionária de assistência médica demorou a adotar a tecnologia da informação (TI) no geral e a IA em específico. Possíveis explicações são os interesses conflitantes que existem entre o relacionamento médico-paciente e os requisitos de documentação da profissão da área da saúde, os requisitos probatórios e de gestão, e sistemas de TI pré-existentes e caros2. Embora o ceticismo em relação às soluções de TI e IA seja compreensível, nossa luta contínua contra eventos adversos possíveis de serem evitados2, a adoção insatisfatória de práticas baseadas em evidências e a persistência no uso de práticas não benéficas e às vezes prejudiciais3 são motivos em favor de uma avaliação do potencial da IA para melhorar a segurança e os resultados do paciente.

O principal argumento para a IA na área médica é o potencial de fornecer soluções em tempo real mais adequadas para que os profissionais melhorem os resultados para os pacientes. Uma das aplicações mais importantes é transformar os resultados de pesquisas em práticas consistentes e confiáveis, baseadas em evidências, com esse acesso nos consultórios e leitos. É certo que a obtenção de “evidências” está repleta de problemas inferenciais4, mas existem práticas baseadas em evidências relativamente não controversas, como evitar a prescrição de antibióticos para infecções agudas do trato respiratório superior em casos nos quais ainda existe uma grande lacuna entre evidências e prática5. A IA tem o potencial de, em tempo real, incorporar todos os dados e resultados do paciente relevantes para determinada questão clínica. Esse sistema de IA pode prontamente alertar os profissionais quando eles se desviam das diretrizes da prática. A IA também poderia continuamente atualizar e informar diretrizes da prática clínica usando dados do paciente em tempo real.

Na sua forma mais simples, a IA pode ser considerada uma regra de decisão: “o que, se, então, e”. Por exemplo, o “o que” pode ser um paciente com urosepse, o “se” é a prescrição de gentamicina, o “então” é a função renal e o “e” é quais são os outros medicamentos prescritos. A IA pode alertar sobre interações medicamentosas e fornecer informações de dosagem precisas e seguras, que podem ser alteradas em tempo real com base nas variações dos níveis de medicamentos, outras doses de medicamentos e alterações na função renal6. Esses recursos existem na maioria dos sistemas de prescrição eletrônica. Este autor desenvolveu uma abordagem de IA em resposta ao problema da “falha aferente dos membros” da Equipe de Resposta Rápida (RRT, na sigla em inglês) (ex.: não pedir ajuda, apesar de os critérios de ativação serem cumpridos)7. Identificamos vários problemas na cultura das equipes que contribuem para esse fenômeno8. A solução exigiu a inserção eletrônica das observações fisiológicas do paciente, a comparação em tempo real dessas observações com os critérios de ativação da RRT e, em seguida, a emissão de uma série de alertas automatizados para os integrantes predeterminados da equipe clínica. Esse sistema facilitou a individualização dos critérios de ativação de cada paciente, bem como a personalização do modo e da ordem em que os integrantes da equipe clínica são alertados. Com essa abordagem inovadora, a resposta clínica de acordo com o Índice de Alarme Precoce (EWS, na sigla em inglês) do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) melhorou para 97% a partir de uma taxa inicial de 68%8.

O argumento para a IA na área da saúde não tem a ver com o potencial para melhora no raciocínio e solução de problemas, apresentação de conhecimento, processamento de linguagem natural e inteligência social. É sobre fazer coisas na área da saúde que, por algum motivo, não fazemos, em parte devido às fragilidades do cérebro humano. Um exemplo convincente é fornecido por Ruth Lollgen no New England Journal of Medicine. Ela escreve sobre sua experiência pessoal de violência causada por seu parceiro9. Apesar de ser uma médica pediátrica de emergência, ela recorreu em inúmeras ocasiões aos serviços de emergência com lesões consistentes com uma etiologia não acidental. No entanto, o padrão das lesões nas visitas à emergência e ao longo do tempo não leva a nenhuma sugestão clínica de lesão não acidental. Ela lamenta que ninguém faça a pergunta: “Você se sente segura em casa?”. Fazer as perguntas importantes como acima pode fornecer maior segurança para nossos pacientes e profissionais de saúde.

As complexidades da assistência médica, um conhecimento de pesquisa que cresce rapidamente, uma população de pacientes e clientes habilidosa com a Internet e, o mais importante, as fragilidades do cérebro humano, levam à necessidade de assistência da IA para ajudar os profissionais de saúde na tomada de decisão diária sobre seus pacientes. Os profissionais de saúde precisam entender e se envolver no desenvolvimento desses dispositivos de decisão assistidos por máquina, para que sejam construídos com os mais altos padrões técnicos, focados nos melhores resultados para os pacientes.

 

Dr. Buist é professor de Serviços de Saúde da University of Tasmania, na Tasmânia, Austrália.


Ele é fundador, ex-diretor e chief medical officer da Patientrack. Essa empresa foi vendida para outra empresa de saúde, chamada Alcidion (ALC), que está listada na bolsa de valores australiana O professor Michael Buist é um acionista substancial da ALC.


Referências

  1. https://en.wkipedia.org/wiki/Artificial_intelligence. Accessed on October 29, 2019.
  2. Rudin RS, Bates DW, MacRae C. Accelerating innovation in Health IT. N Engl J Med. 2016;375:815–817.
  3. Buist M, Middleton S. Aetiology of hospital setting adverse events 1: limitations of the Swiss cheese model. Br J Hosp Med (Lond). 2016;7:C170–C174.
  4. Ioannidis JP. Evidence-based medicine has been hijacked: a report to David Sackett. J Clin Epidemiol. 2016;73:82–86.
  5. Harris A, Hicks LA, Qaseem A, High Value Care Task Force of the American College of Physicians & Centers for Disease Control and Prevention. Appropriate antibiotic use for acute respiratory tract infection in adults: advice for high-value care from the American College of Physicians and the Centers for Disease Control and Prevention. Ann Intern Med. 2016;164:425–434.
  6. Qureshi I, Habayeb H, Grundy C. Improving the correct prescription and dosage of gentamicin. BMJ Open Quality. 2012: 1, doi: 10.1136/bmjquality.u134.w317. https://bmjopenquality.bmj.com/content/1/1/u134.w317 Accessed November 4, 2019.
  7. Marshall S, Shearer W, Buist M, et al. What stops hospital clinical staff from following protocols? An analysis of the incidence and factors behind the failure of bedside clinical staff to activate the Rapid Response System (RRS) in a multi-campus Australian metropolitan health care. BMJ Qual Saf. 2012;21:569–575.
  8. Jones S, Mullally M, Ingleby S, et al. Bedside electronic capture of clinical observations and automated clinical alerts to improve compliance with a NHS Trust Early Warning Score (EWS) protocol. Crit Care Resusc. 2011;13:83–88.
  9. Lollgen, RM. Visible injuries, unrecognised truth—the reality of intimate partner violence. N Engl J Med. 2019;381:15: 1408–1409.