Introdução
O sugamadex reverte rapidamente o bloqueio neuromuscular por meio do encapsulamento seletivo de rocurônio e outros relaxantes musculares aminoesteroides não despolarizantes. Desde seu lançamento em 2010 no Japão, o sugamadex foi administrado a aproximadamente 12,32 milhões de pacientes ao longo de 8 anos. O sugamadex contribuiu para o gerenciamento seguro e efetivo da função muscular ao reduzir o risco de bloqueio neuromuscular residual pós-operatório (sugamadex 1 a 4% vs. neostigmina 25 a 60%).1 No entanto, o Comitê de Segurança da Japanese Society of Anesthesiologists (JSA) divulgou um aviso em 2019, destacando a necessidade da dosagem correta de sugamadex.2 Esse aviso se baseou em 36 casos de recorrência de bloqueio neuromuscular (recurarização) relatados até o fim de 2018 no Japão. A dose adequada de sugamadex deve ser determinada conforme o peso corporal e a profundidade do bloqueio neuromuscular do paciente (Tabela 1). Além disso, o anestesiologista deve verificar se há sinais de reações anafiláticas e recurarização após a injeção de sugamadex enquanto monitora a recuperação neuromuscular total.Tabela 1. Doses recomendadas de sugamadex para a reversão do bloqueio neuromuscular com base na monitorização neuromuscular12
Nível de bloqueio neuromuscular | Dose de sugamadex12 (mg/kg) |
Moderado (Reaparecimento de T2 como resposta ao estímulo de TOF) |
2 |
Profundo (No reaparecimento de 1 ou 2 CPTs) |
4 |
Reversão imediata do bloqueio neuromuscular (3 minutos após uma dose de brometo de rocurônio para intubação) |
16 |
T2, segunda contração. TOF, sequência de quatro estímulos. CPT, contagem pós-tetânica.
Muitos incidentes reportados no Japão envolveram determinação inadequada da dose (falta de monitorização neuromuscular) e gerenciamento insuficiente após a dose. A monitorização neuromuscular perioperatória com um dispositivo quantitativo, que mede e exibe uma proporção da sequência de quatro estímulos (train-of-four, TOF), é o padrão ouro para evitar o bloqueio neuromuscular residual pós-operatório.3 A monitorização quantitativa do relaxamento muscular é um método objetivo de avaliação do grau de relaxamento muscular que usa acelerômetro, eletromiogramas etc., juntamente com estímulo nervoso elétrico. A monitorização quantitativa permite avaliar se a proporção de TOF, que é um índice de recuperação do relaxamento muscular, é maior que 0,9. A avaliação de um grau mais profundo de relaxamento muscular, usando a contagem pós-tetânica (CPT), também é possível. A monitorização qualitativa se baseia no julgamento subjetivo do anestesiologista por meio de apalpação ou observação das contrações musculares usando um dispositivo que contém apenas a função do estímulo nervoso. Embora possa ser possível obter a TOF aproximada, não é possível obter a precisão crucial para distinguir as proporções exatas de TOF, por exemplo, entre 0,8 e 0,93.
Entretanto, uma pesquisa demonstrou que monitores quantitativos estavam disponíveis a apenas 22,7% dos anestesiologistas nos Estados Unidos.4 Além disso, o uso de monitores qualitativos ou quantitativos não é comum no Japão. Na maioria dos casos, os anestesiologistas julgam subjetivamente a recuperação do relaxamento muscular com base nos sinais clínicos. Como é provável que a disponibilidade de monitores neuromusculares seja parecida no Japão e nos Estados Unidos, a falta de monitorização perioperatória adequada pode ser uma grande causa da dosagem inapropriada de bloqueio neuromuscular.
Recurarização
A recurarização é um rápido aumento do bloqueio neuromuscular após um período de recuperação. Ela foi relatada no passado com o uso de inibidores de acetilcolinesterase, mas há cada vez mais relatos em decorrência do uso de sugamadex, em que a força muscular parece ser recuperada com mais confiança. Elveld et al. relatou a recorrência do bloqueio neuromuscular durante a reversão com uma pequena dose de sugamadex a CPT de 1 (ou seja, relaxamento muscular profundo).5 Em um relatório de caso clínico posterior, um paciente obeso apresentou recurarização devido a uma dose insuficiente de sugamadex e necessitou de reintubação traqueal após uma proporção de TOF de 0,9 antes da primeira extubação.6
Mecanismo de recurarização
Mesmo quando as moléculas de relaxamento muscular ocupam 75% dos receptores nicotínicos de acetilcolina na junção neuromuscular, a transmissão neuromuscular normal é alcançada porque os outros 25% dos receptores permitem uma força muscular normal.7 Assim, a junção neuromuscular tem um grande fator de segurança sob várias condições fisiológicas. No caso mencionado acima, a força muscular estava aparentemente normal. No entanto, na presença de baixas concentrações de relaxantes musculares, a recurarização pode ocorrer com o início de acidose respiratória, administração de antibióticos de magnésio ou aminoglicosídeo ou outros fatores que reduzem o fator de segurança. Algumas moléculas de rocurônio permanecem sem ligação no compartimento central de alguns pacientes que recebem uma dose insuficiente de sugamadex. Essas moléculas livres podem ser redistribuídas para o compartimento periférico, migrar para a junção neuromuscular e causar ainda mais relaxamento muscular.
Dois casos de recurarização
Caso nº 1. Paciente do sexo masculino, com 70 anos, 71 kg, que passou por ureterectomia. O paciente tinha insuficiência renal crônica. No total, 240 mg de rocurônio foram administrados durante a anestesia, que durou 7 horas e 33 minutos. Um total de 200 mg de sugamadex foi administrado 87 minutos após a última dose de 20 mg de rocurônio. O paciente voltou a respirar espontaneamente. Ele respondia à comunicação verbal e foi extubado. Não foi realizada monitorização neuromuscular. Passados 15 minutos após o paciente ser transferido para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), ele parou de respirar e foi intubado novamente. O monitor neuromuscular exibia uma TOF de 3. Após a administração de mais 200 mg de sugamadex, os movimentos corporais e as respirações espontâneas voltaram e não houve sinais de recurarização a partir desse momento.
Caso nº 2. Paciente do sexo masculino, com 80 anos, 61 kg, que passou por reparo de aneurisma de aorta abdominal. Foi administrado rocurônio (50 mg) para intubação endotraqueal, e doses de 25 mg foram injetadas em intervalos de 30 minutos, começando 1 hora após a intubação. Não foi realizada monitorização neuromuscular. Passados 50 minutos após a administração da última dose de 25 mg de rocurônio, 200 mg de sugamadex foram injetados na ausência de consciência e de respirações espontâneas. Após a administração de sugamadex, notou-se respiração espontânea fraca. O paciente respondia a comunicação verbal, foi extubado e transferido para a SRPA. Passados 15 minutos após a extubação, a respiração parou. A respiração espontânea voltou imediatamente após a injeção de mais uma dose de 200 mg de sugamadex.
Monitorização neuromuscular e uso correto do sugamadex
A monitorização neuromuscular não foi realizada intraoperatoriamente ou antes da administração do sugamadex em nenhum dos casos. Esses casos mostram a ocorrência de recurarização em pacientes idosos com possível alta sensibilidade a rocurônio devido a fatores farmacocinéticos e farmacodinâmicos. Recentemente, surgiu uma tendência de administrar grandes doses de rocurônio para manter o relaxamento profundo, pois o bloqueio neuromuscular profundo pode gerar melhores condições operatórias para cirurgia de laparoscopia em relação ao bloqueio moderado.8 Devido ao risco de overdose de rocurônio, o bloqueio neuromuscular profundo deve ser avaliado por meio da monitorização neuromuscular intraoperatória. Se a overdose de rocurônio resultar em relaxamento muscular profundo e desaparecimento da resposta de contrações, é importante aguardar a recuperação espontânea (inicialmente avaliada com base na CPT). Nos dois casos descritos, um frasco de sugamadex (200 mg) foi administrado rotineiramente na falta de monitorização neuromuscular, o que gerou subdosagem e recurarização.
Diretrizes revisadas da JSA sobre a monitorização durante a anestesia
Conforme comparação com as edições anteriores, a revisão de 2019 das JSA Guidelines for Monitoring During Anesthesia [Diretrizes da JSA sobre a Monitorização Durante a Anestesia] incluiu uma recomendação mais definitiva sobre o uso de monitorização neuromuscular: “A monitorização neuromuscular deve ser realizada em pacientes que recebem relaxantes musculares e seus antagonistas.”9 Essa recomendação substituiu a versão anterior: “A monitorização neuromuscular deve ser realizada quando houver necessidade.” Embora nenhum método específico de monitorização seja mencionado na edição mais recente, o uso de um monitor neuromuscular quantitativo é desejável em todos os casos. Os métodos de monitorização neuromuscular qualitativa e semiqualitativa, como testes clínicos da função muscular (por exemplo, levantar a cabeça por 5 segundos e manter a mão fechada), só conseguem detectar proporções de TOF de 0,4 ou menos e não têm correlação com uma proporção de TOF de 0,9, que é o limite indicador de ausência de paralisia residual.10 A avaliação perioperatória e o gerenciamento do relaxamento muscular profundo durante a anestesia exigem a monitorização neuromuscular baseada em CPT ou outros parâmetros confiáveis.3
Aumento do uso da monitorização neuromuscular
O sistema nacional de planos de saúde do Japão não promove o uso de monitorização neuromuscular em ambientes clínicos porque não reembolsa as despesas médicas gastas com a monitorização neuromuscular. Além disso, a venda de dispositivos aceleromiográficos (AMG) portáteis autônomos foi interrompida. Isso reduziu consideravelmente a variedade de opções, desestimulando a compra de novos monitores. Entretanto, vários novos monitores neuromusculares quantitativos foram lançados no mercado e estão atraindo o interesse dos anestesiologistas. Novos tipos de dispositivos incluem monitores eletromiográficos, monitores AMG que usam novos algoritmos de medição (acelerômetro tridimensional) e monitores que apresentam um medidor modificado de pressão sanguínea com eletrodos neuromusculares internos.11 As vantagens desses novos modelos são a facilidade de calibragem e uso e a presença de mecanismos adaptáveis para compensar alterações posturais. Contudo, devido ao fato de o lançamento ser recente e o custo dos novos monitores ser alto, a comunidade médica está aguardando produtos de qualidade com reputação comprovada e preços competitivos.
Conclusões
No Japão, a ausência frequente de monitorização neuromuscular perioperatória aumentou o risco de recurarização devido à dosagem inadequada de sugamadex. Em vista do uso crescente de sugamadex no mundo todo, reconhecemos a necessidade de alertar a comunidade médica sobre o alto risco de recurarização em várias partes do mundo. Concluindo, convidamos os fabricantes de dispositivos médicos a produzir monitores neuromusculares fáceis de operar e com preços competitivos para serem usados durante o atendimento perioperatório. Também incentivamos os anestesiologistas a administrar sugamadex com base nos dados de monitorização neuromuscular. Além disso, pedimos que a comunidade médica evite a recurarização, as reações anafiláticas e outras complicações pós-operatórias associadas ao uso de relaxantes musculares e seus antagonistas.
Dr. Sasakawa é professor associado no Departamento de Anestesiologia e Medicina Intensiva da Asahikawa Medical University, Asahikawa, Hokkaido, Japão.
Dr. Miyasaka é professor no Departamento de Enfermagem Perianestésica da St. Luke’s International University, Tóquio, Japão.
Dr. Sawa é professor no Departamento de Anestesia da Teikyo University, Teikyo, Japão.
Dr. Iida é professor e diretor no Departamento de Anestesiologia e Medicina da Dor da Gifu University Graduate School of Medicine, Gifu, Japão.
Os autores não apresentam conflitos de interesse. Todos os autores são membros do Comitê de Segurança da Japanese Society of Anesthesiologists.
Referências
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- Japanese Society of Anestheiologists. Medical alert: appropriate use of sugammadex (in Japanese) 2019.
https://anesth.or.jp/users/news/detail/5c6e37f8-2d98-4ec8-b342-197fa50cc6ad - Murphy GS. Neuromuscular monitoring in the perioperative period. Anesth Analg. 2018;126:464–8.
- Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010; 111:110–9.
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- Plaud B, Debaene B, Donati F, Marty J. Residual paralysis after emergence from anesthesia. Anesthesiology. 2010; 112:1013–22.
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- MERCK & Co.,Inc. Bridion (sugammadex) : Prescribing drug information. https://www.merck.com/product/usa/pi_circulars/b/bridion/bridion_pi.pdf Accessed May 11, 2020.