A saúde do cérebro no peri-operatório: nem tudo é atitude positiva, exercício e superalimentos

Nirav Kamdar, MD, MPP; Lee A. Fleisher, MD; Daniel Cole, MD

O que posso fazer para proteger a saúde do cérebro no peri-operatório?

Sara Lenz Lock, JD, Vice-Presidente Sênior de Políticas na Association of American Retired Persons (AARP), palestrou na reunião anual deste ano da American Society of Anesthesiologists (ASA) em São Francisco, na Califórnia, sobre o tópico vital de saúde do cérebro no peri-operatório e as preocupações dos pacientes sobre o impacto da cirurgia nas funções cognitivas. Como um anestesiologista geral que trata de um elevado volume de pacientes geriátricos, esta questão levou um de nós (N.K.) para a sessão de duas horas no auditório, oferecida pela APSF. Um painel multidisciplinar, que incluiu anestesiologistas acadêmicos, pesquisadores, envolvimento de pacientes e representantes de políticas públicas forneceu algumas sugestões para cuidado com esse problema cada vez mais abordado.

Os profissionais de anestesia e, especificamente, a APSF têm uma rica herança a respeito da segurança do paciente, servindo como líderes e inovadores neste campo.1 Sob vários aspectos, a segurança é a alma de nossa especialidade. Este painel confirmou esta tradição ao analisar os desenvolvimentos recentes no campo da saúde do cérebro no peri-operatório. Os temas dessa sessão abordaram três questões primordiais: (1) O que os pacientes desejam saber sobre a preservação da saúde do cérebro antes da cirurgia; (2) O que os médicos podem fazer para lidar com a saúde do cérebro em termos do peri-operatório; e (3) Como os objetivos do médico e do paciente se alinham com políticas públicas inteligentes?

A saúde do cérebro é um tema em ascensão. De modo semelhante ao interesse público na neurotoxicidade da anestesia na população pediátrica,2 não é nenhuma surpresa que os idosos estejam interessados no impacto de cirurgias e anestesia na função cerebral no pós-operatório. As mudanças cognitivas vivenciadas por pacientes após a cirurgia não são novidade para os profissionais de anestesia; com frequência abordamos preocupações sobre a “desordem mental” (fog, em inglês) nas avaliações pré ou pós-operatório dos pacientes. A Sra. Lock ressaltou que os pacientes buscarão os profissionais médicos para responder suas perguntas quando sua saúde cerebral apresentar deterioração. Portanto, os pacientes são propensos a questionar sobre as possíveis medidas de redução de riscos de disfunções cognitivas no âmbito pré-operatório. De modo semelhante, os pacientes também podem perguntar sobre o tipo de efeitos cognitivos que podem vivenciar após a cirurgia e por quanto tempo esses efeitos podem durar.

O apresentador da conferência elucidou o escopo da saúde cerebral como um problema de segurança de pacientes, levando em consideração as demandas que recaem sobre os profissionais médicos. O Dr. Daniel Cole, professor de anestesiologia clínica na UCLA, e atualmente vice-presidente da APSF, apresentou a magnitude desse problema nacional. Ele relatou que a incidência de delírio e disfunções cognitivas no pós-operatório é de 5 a 50%3 e os custos para o sistema de saúde é de aproximadamente US$ 150 bilhões.4

Dra. Deborah Culley, professora associada de anestesiologia no Brigham and Women’s Hospital, discutiu ferramentas práticas de triagem que os profissionais de anestesia podem administrar para avaliar o impacto da cirurgia e da anestesia na função cognitiva. Essas ferramentas incluem o questionário mini-cognição5 (Figura 1) e uma escala de pontuação de fragilidade6 (Figura 2). A Dra. Carol Penden, professora de anestesiologia clínica na University of Southern California, estimulou os profissionais de saúde a resistirem à tentação de incorporar imediatamente os novos dados de prevenção e intervenção em protocolos rigorosos. Em vez disso, ela sugere aplicar princípios essenciais de mudanças na gestão, que se concentram no envolvimento de todos os interessados, desde os pacientes, os profissionais e até os responsáveis por políticas. A saúde cerebral dos idosos deve continuar a ser examinada como uma importante questão da saúde pública.

Figura 1. O teste Mini-Cog. São três etapas que incluem uma pontuação por exatidão no "desenho do relógio" e "lembrar de três palavras", resultando em uma pontuação cumulativa que pode aumentar a detecção de comprometimento cognitivo.<br /><br />Reproduzido com a permissão de Soo Borson, MD. Consulte mini-cog.com para ver as instruções completas de administração.

Figura 1. O teste Mini-Cog. São três etapas que incluem uma pontuação por exatidão no “desenho do relógio” e “lembrar de três palavras”, resultando em uma pontuação cumulativa que pode aumentar a detecção de comprometimento cognitivo.

Reproduzido com a permissão de Soo Borson, MD. Consulte mini-cog.com para ver as instruções completas de administração.

Figura 2. Um teste rápido para avaliar a fragilidade como um indicador do risco de delírio.<br /><br />*As doenças incluem hipertensão, diabetes, câncer, pneumopatias crônicas, ataque cardíaco, insuficiência cardíaca, angina, asma, artrite, infarto e nefropatias<br /><br />Adaptado e reproduzido com permissão de John Morley, MD.<sup>5,6</sup>

Figura 2. Um teste rápido para avaliar a fragilidade como um indicador do risco de delírio.

*As doenças incluem hipertensão, diabetes, câncer, pneumopatias crônicas, ataque cardíaco, insuficiência cardíaca, angina, asma, artrite, infarto e nefropatias

Adaptado e reproduzido com permissão de John Morley, MD.5,6

O Dr. Lee Fleisher, presidente do Departamento de Anestesiologia e Medicina Intensiva da University of Pennsylvania, ilustrou as estratégias pelas quais os médicos podem interagir com as sociedades geriátricas e parcerias federais para ajudar a impulsionar uma mudança cultural. Ele defende o alinhamento da liderança de cima para baixo para promover uma agenda estratégica sobre a saúde do cérebro e, ao mesmo tempo, ter líderes informais envolvidos na prática médica para propagar a estratégia, resultando em uma mudança cultural de baixo para cima também. Ele enfatizou o trabalho com as sociedades geriátricas para auxiliar na documentação dos esforços que dizem respeito à saúde cerebral. Desse modo, o impacto dos esforços pela saúde cerebral será reconhecido tanto entre os médicos quanto entre os pacientes. Por fim, o Dr. Fleisher também focou no poder de persuasão e apelou para que os financiadores da área da saúde incentivem financeiramente os profissionais médicos a se concentrarem nas iniciativas da saúde cerebral.

Então, qual é o caminho a seguir para os médicos, nos esforços de proteger a saúde cerebral dos pacientes? As reflexões do público resumiram os desafios para melhorar a saúde cerebral do paciente no peri-operatório (confira as Reflexões criadas pelo público).

Reflexões criadas pelo público

As sociedades de defesa dos pacientes devem manter uma lista ativa das questões mais frequentes e pertinentes dos pacientes.

As organizações especializadas, como a APSF, precisam investir no desenvolvimento e avaliação de ferramentas de triagem para a saúde do cérebro, incluindo tecnologias do futuro, como avaliação de riscos baseado em aprendizado de máquina.

Há uma necessidade de estabelecer padrões de monitorização intraoperatório do cérebro ligados a resultados aprimorados que podem ser implementados diretamente nas salas de operação (por exemplo, eletroencefalograma processado).

Há uma necessidade de preparar os pacientes com conhecimento, envolvimento ativo e suporte médico para manter seu cérebro saudável conforme eles se aproximam da data de uma grande cirurgia.

Para os médicos que tratam de uma população geriátrica, foi empolgante ver a APSF enfatizar a saúde cerebral como foco deste painel. O painel da APSF deste ano manteve a longa tradição da combinação de ciência clínica, pesquisa e políticas públicas para cumprir a missão principal da anestesiologia: o cuidado cirúrgico seguro e centrado no paciente.

 

O Dr. Kamdar é atualmente o Diretor de Qualidade no Departamento de anestesiologia e medicina peri-operatória na UCLA Health.

O Dr. Fleisher é o Diretor do Departamento de Anestesiologia no Sistema de Saúde da University of Pennsylvania.

O Dr. Cole é Professor de Anestesiologia Clínica no Departamento de Anestesiologia e Medicina peri-operatória na UCLA Health. Ele é Vice-Presidente da APSF.


Os autores não têm conflitos a declarar no que diz respeito a este artigo.


Referências

  1. Leape LL. Error in medicine. JAMA. 1994;272:1851–1857.
  2. Grady D. Researchers warn on anesthesia, unsure of risk to children. The New York Times. Published December 21, 2017. https://www.nytimes.com/2015/02/26/health/researchers-call-for-more-study-of-anesthesia-risks-to-young-children.html. Accessed November 13, 2018.
  3. Postoperative delirium in older adults: best practice statement from the American Geriatrics Society – ScienceDirect. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1072751514017931?via%3Dihub. Accessed October 29, 2018.
  4. Leslie DL, Marcantonio ER, Zhang Y, et al. One-year health care costs associated with delirium in the elderly population. Arch Intern Med. 2008;168:27–32.
  5. Borson S, Scanlan JM, Chen P, Ganguli M. The Mini-Cog as a screen for dementia: validation in a population-based sample: Mini-Cog in movies. Journal of the American Geriatrics Society. 2003;51:1451–1454.
  6. Morley JE, Malmstron TK, Miller DK. A simple frailty questionnaire (FRAIL) predicts outcomes in middle aged African Americans. J Nutr Health Aging. 2012;16:601–608.