Atualização sobre as Considerações Perioperatórias para a Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus-2 (SARS-CoV-2) do COVID-19

Liana Zucco, MD; Nadav Levy, MD; Desire Ketchandji, MD; Michael Aziz, MD; Satya Krishna Ramachandran, MD
Declaração de isenção de responsabilidade: Os leitores deste material devem analisar as informações contidas nele juntamente com aconselhamento médico e legal adequado e tomar suas próprias decisões acerca da relevância do material para seu próprio ambiente de prática, cumprindo as leis e regulamentações estaduais e federais. A APSF envida seus melhores esforços para fornecer informações precisas. No entanto, este material é fornecido apenas para fins de informação e não constitui aconselhamento médico ou legal. Estes artigos também não devem ser interpretados como uma representação do endosso ou da política da APSF (exceto se declarado de outra forma), como recomendações clínicas ou como substitutos do julgamento de um médico e de aconselhamento legal independente.

Introdução

Coronavírus - COVID-19A pandemia da COVID-19 causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) continua exercendo um grande impacto na vida das pessoas no mundo todo. Ela sobrecarregou imensamente os sistemas de saúde e as economias, inclusive com possíveis desdobramentos psicológicos e sociais nunca antes vistos. O surto de SARS-CoV-2, que teve origem em Wuhan, na China, se tornou rapidamente uma pandemia e já se espalhou para mais de 150 países, infectando mais de 3,1 milhões de pessoas desde 29 de abril de 2020, com mais de 1 milhão de casos só nos Estados Unidos.1,2

As estimativas atuais sugerem uma taxa de mortalidade de 2 a 20% dos pacientes hospitalizados e de até 88% dos pacientes que necessitam de ventilação mecânica.3–5 O SARS-CoV-2 apresenta um número reprodutivo básico (R0) estimado de 2,2 a 2,7,6 ou seja, uma pessoa infectada pode espalhar o vírus para mais de 2 indivíduos suscetíveis. Isso pode gerar uma disseminação rápida e exponencial, o que vemos acontecendo agora nas comunidades dos EUA.7

Devido à capacidade de transmissão de pessoa para pessoa,8–10 o SARS-CoV-2 ainda representa um alto risco para todos os profissionais de saúde no ambiente perioperatório. Recomendamos veementemente que os líderes de áreas perioperatórias e de hospitais desenvolvam etapas estratégicas para intervenções em pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por COVID-19. O objetivo deste comunicado é apresentar medidas de segurança prudentes no ambiente perioperatório, reconhecendo que essas medidas se baseiam no aprendizado obtido em surtos virais atuais e anteriores.11 Abordamos especificamente as medidas que resultaram no sucesso ou na falha da redução da transmissão de patógenos virais (SARS-CoV-2, SARS-CoV e Coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio [MERS-CoV]) em ambientes de assistência médica. Embora as intervenções não farmacológicas continuem sendo fundamentais para reduzir a disseminação da doença, as experiências globais destacam o papel crucial das medidas imediatas de saúde pública no combate a uma pandemia desta magnitude.

Transmissão do patógeno SARS-CoV-2

A transmissão do patógeno pode ocorrer de pessoa para pessoa pela inalação de gotículas respiratórias infectadas, principalmente se a distância da exposição às gotículas for pequena (2 metros) ou se você estiver em um ambiente relativamente fechado com exposição contínua a altas quantidades de partículas de aerossol.12,13 A transmissão também pode ocorrer pelo contato próximo, direto ou indireto, com as membranas mucosas (olhos, nariz, boca) e pelo trato digestivo.12,14 Atualmente, há evidências que sugerem que a transmissão pode ocorrer pelo contato direto ou indireto com superfícies contaminadas (fômites), e isso pode causar uma predisposição à autoinoculação e/ou transmissão posterior. Semelhante aos outros coronavírus, o SARS-CoV-2 consegue sobreviver fora do corpo por aproximadamente 12 horas em superfícies de tecido ou papelão e até 72 horas em superfícies de plástico ou metal.11,15,16

Evitar a transmissão do SARS-CoV-2 ainda é o esforço mais eficiente que pode ser feito pelos órgãos de saúde pública para diminuir o impacto do vírus. Esse esforço envolve a rápida identificação de casos, rastreamento de contatos, isolamento/quarentena das pessoas infectadas/expostas e suporte médico. Reconhecemos que o ambiente perioperatório é um local de possível exposição ao SARS-CoV-2. Portanto, é necessário que haja diretrizes disponíveis em todo o hospital para os profissionais de saúde gerenciarem a exposição e implantarem medidas a fim de diminuir a transmissão.

Lições aprendidas com os surtos de coronavírusanteriores (SARS-CoV, MERS)

Com o surto de SARS-CoV em Toronto em 2002 e o surto de MERS-CoV em 2012, constatamos que a maioria dos casos estava associada à transmissão nosocomial, especialmente entre profissionais de saúde expostos a procedimentos que geram aerossol.17 Apesar dos protocolos de segurança existentes, a infecção dos profissionais de saúde por SARS-CoV estava associada à intubação de um paciente com infecção confirmada de SARS-CoV na UTI, à necessidade de mais de uma tentativa de intubação ou a situações em que mais de três pessoas estavam na sala.18 Dentre os outros fatores de risco, estava o contato com o paciente durante procedimentos de aerossolização, inclusive por meio de nebulizadores, CPAP, BiPAP ou terapia de oxigênio nasal de alto fluxo.11 No entanto, medidas aprimoradas e o uso de EPIs reduziram a transmissão nosocomial durante a segunda onda do surto de SARS-CoV em Toronto. Dados mais recentes sugerem que o oxigênio nasal de alto fluxo pode não aumentar a disseminação aerossol durante a tosse espontânea em voluntários saudáveis.19

Lições aprendidas com o surto atual (SARS-CoV-2):

A experiência vivenciada na China, Itália, no Reino Unido e nos Estados Unidos evidencia que a transmissão comunitária é responsável pela maioria dos pacientes infectados.1 A prevalência da doença continua alta em várias partes do país, sendo que a falta de testes confiáveis e amplamente disponíveis representa um risco de transmissão nosocomial no ambiente perioperatório. O período imediatamente anterior ao início dos sintomas está associado à excreção viral do SARS-CoV-2 e representa um potencial considerável de transmissão, o que torna todos os pacientes (assintomáticos) um risco adicional.20,21 Para proteger e garantir a segurança dos profissionais de saúde e, por extensão, dos pacientes, são necessários esforço coordenado e suporte organizacional completo a fim de evitar a transmissão nosocomial de SARS-CoV-2.22

Devido à rápida disseminação da COVID-19, há grande pressão temporal em relação à capacidade de as organizações de saúde se prepararem para o aumento de internações e implementarem estratégias de diminuição de riscos. A ansiedade e o medo colocaram pressão adicional sobre os profissionais de saúde, especialmente devido às preocupações com a insuficiência de equipamentos de proteção individual (EPI) e a falta de clareza de informações ou de diretrizes unificadas entre os líderes. Constatamos que mensagens divergentes causam confusão, criam tensão e tornam mais lenta a implementação de protocolos. Além disso, é desafiador acompanhar as diretrizes que mudam rapidamente e comunicá-las com clareza à organização inteira. Recomendamos uma abordagem unificada para auxílio e comunicação com os membros das equipes de sua organização.

Transmissão do patógeno na sala de cirurgia e no ambiente de trabalho de anestesia

Na sala de cirurgia, o ambiente de trabalho de anestesia permite que gotículas se depositem sobre várias superfícies. Assim, elas servem de reservatórios para o vírus quando precauções adequadas contra gotículas ou processos de descontaminação não são seguidas. Conforme observado anteriormente, os processos que favorecem a aerossolização de escarro da pessoa infectada no ambiente perioperatório representam uma possível fonte de exposição para os profissionais de saúde. Para os anestesiologistas e intensivistas, o período que representa o maior risco de exposição é durante o manejo das vias aéreas, que envolve o contato direto com gotículas respiratórias, principalmente durante a intubação e extubação.23,24

As áreas imediatamente fora da sala de cirurgia e ao redor do complexo do departamento de cirurgias representam áreas de baixo risco em relação à geração de aerossol, mas ainda podem ser fontes de transmissão em potencial. Independentemente do local, EPIs inadequados, mau uso de EPIs e higienização incorreta das mãos são fatores em potencial que podem levar à transmissão de profissionais de saúde que trabalham junto ao leito de pacientes.25,26

Recomendações para a prática perioperatória de anestesia em pacientes com COVID-19

Devido ao potencial de transmissão de SARS-CoV-2 em pacientes assintomáticos e profissionais de saúde, recomendamos a intensificação da prática padrão no manejo perioperatório de todos os pacientes para reduzir a exposição a secreções.

Higienização das mãos:

Lavar as mãos com frequência é uma das medidas de higiene mais importantes na proteção contra a infecção cruzada e deve ser adotada ativamente. Gel à base de álcool para a higienização das mãos deve ser disponibilizado em todas as estações de trabalho de anestesia ou próximo a elas. A higienização das mãos deve ser realizada meticulosamente conforme as diretrizes padrão, especificamente após a remoção das luvas, após o contato com áreas sujas ou contaminadas, antes de tocar na máquina de anestesia ou em seu conteúdo e após cada contato com o paciente (por exemplo, colocação de termômetro, tubo nasogástrico etc.).

Equipamento de proteção individual:22,27,28

Deve haver equipamento de proteção individual disponível a todos os profissionais, incluindo um respirador N95 (ou equivalente) ou um respirador purificador de ar motorizado (PAPR), proteção ocular (como óculos de proteção ou escudo facial), uma touca descartável, uma roupa protetora impermeável e à prova de fluidos, protetores de calçados e dois pares de luvas. As toucas descartáveis para a sala de cirurgia reduzem o risco de contaminação das mãos ao tocar o cabelo, que pode ter sido exposto a gotículas. É essencial a lavagem das mãos antes de colocar o EPI e depois de tirá-lo.

As máscaras N95 atendem aos critérios de filtragem do National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) e são aprovadas para proteção contra transmissão por via aérea e por gotículas de 95% das partículas maiores que 0,3 mícron. As máscaras N95, que devem ser ajustadas, oferecem proteção contra a contaminação por contato e gotículas do coronavírus. Como alternativa, pode-se usar um PAPR no lugar do respirador N95. O PAPR oferece proteção equivalente à máscara N95, mas pode proporcionar maior versatilidade de uso em rostos de vários tamanhos, com pelos faciais ou em situações de vários tipos de usos. Lembre-se de que o PAPR pode ser mais complicado de colocar e tirar sem ocorrer autocontaminação e, portanto, a observação por um colega pode diminuir esse risco. No mínimo, os respiradores N95 ou equivalentes devem ser usados em todos os casos suspeitos ou confirmados de COVID-19.

Os profissionais e suas organizações devem revisar os protocolos de colocação e retirada corretas do EPI. É recomendável realizar simulações de intubação e extubação usando o EPI em um ambiente real (in situ). Essa é uma oportunidade para promover o uso correto do EPI entre os profissionais e para identificar problemas de adesão. A organização deve evitar intubações em locais de acidentes “do tipo resgate de emergência”, onde não é possível usar todo o EPI necessário.

Manipulação de vias aéreas (intubação e extubação):

Manejo das vias aéreas em pacientes com COVID-19Antes da exposição a um procedimento de aerossolização ou manejo de vias aéreas, os profissionais de saúde devem se proteger vestindo o EPI adequado descrito acima. Limite o número de profissionais da equipe presentes na sala durante as intubações e extubações para reduzir o risco de exposição desnecessária, a menos que estejam vestidos com o EPI adequado. Certifique-se de que haja um plano elaborado para o manejo de uma via aérea difícil não prevista e que o equipamento de resgate esteja disponível imediatamente, incluindo vias aéreas supraglóticas e um kit cirúrgico de vias aéreas.

Prepare o equipamento de intubação próximo ao paciente e planeje o descarte minimizando a distância de deslocamento do equipamento contaminado. Considere usar a técnica de luvas duplas durante a intubação, protegendo a lâmina do laringoscópio com as luvas externas imediatamente após a intubação. Também é possível colocar o laringoscópio usado diretamente em uma bolsa lacrada e remover as luvas externas.25

Geralmente, a extubação gera muito mais aerossol do que a intubação, devendo ser realizada usando o EPI exatamente conforme descrito acima. Certifique-se de que os outros profissionais de saúde na sala (por exemplo, fisioterapeuta respiratório e enfermeiros) também utilizem EPI. Considere o uso de gaze ou uma barreira de tecido protetora para cobrir a boca e o nariz durante a extubação. Descarte cuidadosamente os equipamentos contaminados. Considere seriamente o uso de antieméticos profiláticos para reduzir o risco de vômito e possível disseminação viral.

Planejamento e treinamento de simulação do fluxo de trabalho perioperatório:

Analise a necessidade de fluxos de trabalho perioperatórios específicos para o manejo dos pacientes com COVID-19 em sua organização.29 Pode ser necessário redefinir o fluxo de trabalho, implantar um checklist e realizar testes em tempo real para identificar os perigos ou as falhas durante o procedimento. Designe salas cirúrgicas específicas para pacientes com COVID-19 e minimize a contaminação removendo qualquer objeto desnecessário e cobrindo os equipamentos fixos com plástico. Recomendamos treinar a equipe por meio de simulação in-situ para promover a conscientização das alterações perioperatórias para pacientes com COVID-19 e incentivar o desenvolvimento de um modelo mental compartilhado entre as equipes de profissionais de saúde.30 Também recomendamos o treinamento de simulação de colocação e retirada de EPI, intubação, extubação e gerenciamento de eventos adversos em pacientes com COVID-19. Alguns dos recursos institucionais on-line dos autores estão disponíveis em: https://www.anesthesiaeducation.net/qsi_covid19/.

Recomendações para manejo das vias aéreas em pacientes com confirmação ou suspeita de infecção pelo coronavírus (SARS-CoV-2)

Precauções gerais:

  1. A sua proteção pessoal é a prioridade. Deve haver equipamento de proteção individual (EPI) disponível a todos os profissionais para permitir a adoção de precauções de isolamento contra partículas suspensas no ar, gotículas e contato. Revise os protocolos de colocação e retirada do EPI. Planeje com antecedência para permitir que os profissionais na equipe tenham tempo suficiente para vestir o EPI e adotar as precauções de proteção. Atenção cuidadosa é necessária para evitar a autocontaminação.
  2. Casos confirmados ou suspeitos de infecção por SARS-CoV-2 NÃO devem ser levados para as áreas de espera ou para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA). Uma sala de cirurgia designada deve ser alocada para esses casos, e avisos devem ser colocados nas portas para minimizar a exposição dos profissionais na equipe. Os casos infectados devem se recuperar na sala de cirurgia ou devem ser transferidos para a UTI em uma sala de pressão negativa. Deixe um grampo preparado para desconectar o circuito.
  3. Certifique-se de que haja equipamentos suficientes para manipulação de vias aéreas e emergências. Além disso, certifique-se de que um filtro de troca de calor e umidade (HME) de alta qualidade, que remova pelo menos 99,97% das partículas suspensas no ar de 0,3 mícron ou maiores, e um grampo para tubo endotraqueal estejam disponíveis antes de realizar a intubação.

Durante a manipulação das vias aéreas:

  1. Coloque um respirador N95 ajustado, um PAPR ou uma máscara equivalente, óculos de proteção, roupas de proteção, dois pares de luvas e protetores de sapatos, todos descartáveis. Aplique a monitorização padrão ao paciente, como faria em qualquer indução de anestesia.
  2. Se possível, designe o anestesiologista com mais experiência para realizar a intubação. Evite que residentes façam intubações de pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por SARS-CoV-2 nesse período.
  3. Elabore um plano para a manipulação de uma via aérea difícil não prevista e certifique-se de que o equipamento de resgate esteja disponível imediatamente, incluindo vias aéreas supraglóticas e um kit cirúrgico de vias aéreas.
  4. Evite intubações por fibra óptica com os pacientes acordados, exceto quando especificamente indicado. A anestesia local atomizada aerossoliza o vírus, portanto, use técnicas alternativas de topicalização se esse procedimento for indicado. Use equipamentos com os quais o intubador tenha maior familiaridade. Recomendamos o videolaringoscópio como dispositivo principal de intubação para aumentar as chances de sucesso da intubação.31
  5. Realize a pré-oxigenação por pelo menos 5 minutos com 100% de oxigênio ou até chegar à meta desejada de O2 expirado.
  6. Realize uma indução de sequência rápida (ISR) para evitar ventilação manual dos pulmões do paciente. Certifique-se de que um assistente treinado esteja disponível para realizar pressão cricoide. Se a ventilação manual for necessária durante uma ISR modificada, aplique volumes de corrente baixos e use um filtro de HME.
  7. Imediatamente após a intubação, infle o medidor do tubo endotraqueal antes de aplicar ventilação de pressão positiva.
  8. Certifique-se de que sempre haja um filtro de HME de alta qualidade entre a máscara facial/tubo endotraqueal e o circuito de respiração ou a bolsa do reservatório.
  9. Proteja novamente o laringoscópio logo após a intubação ou coloque-o em uma bolsa própria para esse fim. Lacre todo o equipamento usado nas vias aéreas em uma bolsa de plástico de lacre duplo. O equipamento usado nas vias aéreas deve ser removido para descontaminação e desinfecção.
  10. A extubação deve ocorrer usando o EPI de forma adequada. Considere o uso de uma barreira de tecido protetora para cobrir a boca e o nariz durante a extubação. Descarte cuidadosamente os equipamentos contaminados.
  11. Depois de remover o equipamento de proteção, evite tocar nos cabelos ou na face antes de lavar as mãos.
  12. Considere monitorar os sintomas dos profissionais de saúde envolvidos na manipulação das vias aéreas de pacientes com COVID-19, no local ou por uma plataforma on-line como o https://intubatecovid.org.org.

Recomendações para manejo das vias aéreas em pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por COVID-19

Recomendações para a retomada de serviços perioperatórios não urgentes ou eletivos

Com os sistemas de saúde começando a planejar a retomada de operações não urgentes e, posteriormente, casos eletivos com o achatamento contínuo da curva de infecção por SARS-CoV-2, ainda é crucial aderir aos mais altos padrões das diretrizes baseadas em evidências, tanto locais quanto nacionais e internacionais, para proteger os pacientes e profissionais de saúde. O ressurgimento da COVID-19 continua sendo uma possibilidade real e uma preocupação por vários motivos, incluindo variações na disponibilidade de testes, falta de clareza sobre a imunidade obtida por exposição anterior, prevalência da doença etc.32 Portanto, a vigilância permanente, com ênfase em esforços públicos contínuos, deve ser encorajada.

Antes da reabertura dos serviços perioperatórios não urgentes e eletivos, recomendamos um planejamento institucional cuidadoso com a retomada gradual e vagarosa de casos não urgentes, conforme sugerido pela declaração conjunta do American College of Surgeons (ACS), American Society of Anesthesiologists (ASA), American Hospital Association (AHA) e Association of Perioperative Registered Nurses (AORN) (Roadmap for Resuming Elective Surgery after COVID-19 Pandemic [Roteiro para a retomada de cirurgias eletivas após a pandemia de COVID-19]).33 Políticas institucionais e fluxos de trabalho para a retomada de casos não urgentes e eletivos devem considerar a disponibilidade de testes, a prevalência local da doença, a indicação e o procedimento cirúrgicos, a capacidade hospitalar e de UTI e os requisitos dos profissionais na equipe. Os espaços físicos devem ser mapeados para otimizar o distanciamento entre pacientes e profissionais de saúde. É preciso continuar tomando providências para o treinamento contínuo dos profissionais na equipe e o auxílio à resposta hospitalar geral à COVID-19.34 De acordo com a declaração conjunta acima, defendemos uma abordagem gradual para retomada de cirurgias indicadas e urgentes.34–36 Privilegiamos políticas e protocolos que priorizam as necessidades clínicas dos pacientes e a capacidade organizacional como forma de diminuir a competição pela capacidade operacional limitada.

A base do gerenciamento de riscos durante a recuperação da pandemia continuará sendo a triagem pré-operatória com base em sintomas. A maioria dos hospitais tem atendimento exclusivo para garantir que pacientes com sintomas tenham um plano claro para adiar a cirurgia e receber acompanhamento em 14 dias, quando possível.

Teste de COVID-19

Recomendações para o teste pré-operatório

O teste pré-operatório está sendo implantado em todo o mundo com três metas principais. São elas:

  • Adiar a cirurgia eletiva em pacientes sintomáticos ou que testaram positivo.
  • Acionar protocolos perioperatórios para o atendimento adequado de casos suspeitos ou confirmados de COVID-19.
  • Orientar sobre o uso adequado de EPI e protocolos de atendimento perioperatório.

Apoiamos as recomendações emitidas em uma declaração conjunta da ASA e APSF (ASA and APSF Joint Statement on Perioperative Testing for the COVID-19 Virus [Declaração Conjunta da ASA e APSF sobre o Teste Perioperatório em relação ao Vírus da COVID-19]).37 Deve ser realizada uma avaliação de risco à população identificando a prevalência de SARS-CoV-2.

Quando há presença local ou regional de SARS-CoV-2:38

  1. Todos os pacientes devem passar por triagem para verificação de sintomas antes de se dirigirem para o hospital. Os pacientes que relatarem sintomas deverão ser encaminhados para avaliação adicional. Todos os outros pacientes devem realizar o teste de amplificação de ácido nucleico (incluindo testes PCR) antes de passarem por cirurgia de não emergência. Os sistemas de saúde podem considerar recomendar aos pacientes que se autoisolem enquanto aguardam os resultados do teste.
  2. Devido à possibilidade de ocorrerem falsos-negativos no teste, a equipe cirúrgica deve se precaver contra gotículas (usando máscara cirúrgica e proteção ocular) durante operações. Antes de realizar um procedimento que gera aerossol, os profissionais presentes na sala devem vestir uma máscara N95, proteção ocular, luvas e roupa protetora.
  3. Se um paciente testar positivo para SARS-CoV-2, os procedimentos cirúrgicos eletivos deverão ser adiados até que o paciente não esteja mais infeccioso e tenha se recuperado da COVID-19. Um paciente pode estar infeccioso até que ocorra uma das situações a seguir:
    1. Estratégia recomendada pelo CDC e baseada em teste
      1. Desaparecimento da febre sem o uso de medicamentos redutores de febre
      2. Melhora dos sintomas respiratórios
      3. Resultados negativos de dois testes de SARS-CoV-2 com diferença de 24 horas ou mais
    2. Estratégia do CDC não baseada em teste
      1. Pelo menos 72 horas desde o desaparecimento da febre sem o uso de medicamentos redutores de febre e melhora dos sintomas respiratórios
      2. Pelo menos 7 dias desde o aparecimento dos sintomas.
  4. No momento, não é possível fazer recomendações sobre a definição da recuperação suficiente das alterações fisiológicas do SARS-CoV-2. No entanto, a avaliação deve incluir análise da capacidade de exercício do paciente (equivalentes metabólicos [METS]).

Quando há pouca ou nenhuma presença regional de SARS-CoV-2:

  1. Todos os pacientes devem passar por triagem para a verificação de sintomas antes de se dirigirem para o hospital.
  2. Os pacientes que relatarem sintomas deverão ser encaminhados para avaliação adicional.

Comentário

Sem vacinas ou intervenções farmacológicas comprovadas atualmente, recomendamos ênfase contínua nos esforços da saúde pública e nas intervenções não farmacológicas endossadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos governos estaduais locais. Também defendemos o uso contínuo da tecnologia (telemedicina) no ambiente perioperatório para facilitar o distanciamento social adequado e diminuir as transmissões nosocomiais.39

 

Dra. Liana Zucco é membro da equipe de qualidade e segurança perioperatórias de Anestesiologia no Beth Israel Deaconess Medical Centre e aluna de mestrado em Qualidade e Segurança de Atendimento Médico na Harvard Medical School, Boston, Massachusetts.

Dr. Nadav Levy é membro da equipe de qualidade e segurança perioperatórias de Anestesiologia no Beth Israel Deaconess Medical Centre e aluno de mestrado em Qualidade e Segurança de Atendimento Médico na Harvard Medical School, Boston, Massachusetts.

Dr. Desire Ketchandji é membro da equipe de medicina intensiva de Anestesiologia na Oregon Health and Science University, Portland, Oregon.

Dr. Michael Aziz é vice-diretor interino de Assuntos Clínicos e professor do Departamento de Anestesiologia e Medicina Perioperatória da Oregon Health and Science University, Portland, Oregon.

Dr. Satya Krishna Ramachandran é vice-diretor de Qualidade, Segurança e Inovação, professor associado de Anestesia, Departamento de Anestesia, Medicina Intensiva e Medicina da Dor no Beth Israel Deaconess Medical Center, Harvard Medical School, Boston, Massachusetts.

Os Drs. Zucco, Levy, Ketchandji e Aziz não apresentam conflitos de interesse. O Dr. Ramachandran recebe honorário pessoais da Fresenius Kabi USA (consultor científico).

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